APL 1384 O Ano da Fome

Estava-se no Ano da Fome. A seca no Pico tinha sido tão grande que muito milho semeado não nasceu e o que nasceu não chegou a espigar, muito menos a dar grão. As pessoas apanhavam socas de jarro, raízes de feito e faziam papas e bolo para se alimentarem. Vieram navios da América com farinha, açúcar e outros alimentos, mas mesmo assim não dava para sempre nem para todos. Contudo as pessoas tinham muita fé no Espírito Santo e não gastavam aquilo que Lhe tinha sido prometido, mesmo que passassem muitas necessidades. 
 Duas irmãs de Santa Bárbara tinham só dois sacos de trigo do ano anterior, guardados para as festas. Puseram-nos sobre tábuas estendidas por cima dos tirantes para estarem mais arejados e guardados dos ratos. Não queriam gastar desse trigo porque era para pagar a sua promessa e iam-se amanhando muito mal. Acabaram por ver-se tão aflitas que fizeram um buraquinho no saco com uma agulha para tirarem um grãozinho de cada vez. Assim iam enganando a fome e poupando o trigo.
 Chegou-se perto da festa. Os sacos continuavam sobre os tirantes, mas já não estavam cheios. Uma noite, quando as duas irmãs estavam deitadas na sua cama a descansar, sentiram cair trigo no chão da casa. Ficaram aflitas e uma disse para a outra:
 — Olha, devem ser os ratos que tão a dar cabo do trigo.
 Mal disse isto, levantaram-se e foram ver o que se passava. P’ra espanto seu os sacos estavam cheios pelas pontas e no chão ainda havia um grande monte de grão.
 O Espírito Santo tinha visto o sacrifício das duas irmãs e quis compensá-las. Assim tiveram abundância de trigo para pagar a promessa e ainda para fazerem pão para comer.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.227
Place of collection
LAJES DO PICO, ILHA DO PICO (AÇORES)
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography