APL 3517 Nossa Senhora da Atalaia
Acerca da origem da aparição da imagem de Nossa Senhora da Atalaia na velha Aldeia Galega, actual Montijo, conta-se que era tradição constante, no século XVIII, que a veneranda imagem aparecera numa aroeira que estava junto a uma fonte, que os fiéis, a quem primitivamente se manifestara, a levaram para uma casinha que existia no monte da Atalaia, depositando-a numa cantareira, onde prestaram o seu primeiro culto de devoção.
Com a fama da aparição de tão venerável imagem, concorreu do Ribatejo e de Lisboa muita gente, pelos grandes prodígios, que Deus obrava pela intercessão da Santa Virgem. A devoção contínua do povo e o concurso dos fiéis moveram os seus devotos a erigirem uma ermida. Concluído este pequeno santuário, junto à referida casinha, que, segundo a mesma tradição, é hoje a sacristia da actual capela, colocaram-na no altar-mor. No dia seguinte, os devotos encontraram-na no seu primitivo lugar da casinha ou sacristia; e este facto repetiu-se tantas vezes, que os devotos, compreendendo que a Santíssima Virgem, altíssima em sua majestade de soberana, não desestimava a primeira e humilde habitação, resolveram mandar fazer uma outra imagem, mais pequena, sob a mesma invocação, com o intuito de colocá-la no altar-mor da ermida. Assim, a imagem pequena, denominada então «Senhora Moça», ficou no altar-mor da ermida, e a imagem aparecida, na sacristia.
No ano de 1632, os devotos da primitiva imagem reformaram o seu nicho na sacristia, com mais aparato e perfeição, segundo a sua devoção.
Presentemente, esta veneranda imagem está no trono da capela-mor, e a imagem pequena, num pequeno depósito junto ao sacrário. Ignora-se o ano em que se realizou esta definitiva disposição; é provável que fosse no século XVIII. Como, durante muitos anos, se conservou a imagem pequena no altar-mor, como acima se aludiu, este facto originou que devotos e romeiros acreditassem ser esta a imagem aparecida.
Sob a invocação de Nossa Senhora da Atalaia, muitos milagres se têm obtido pela intervenção da Virgem Santíssima, Mãe de Deus. O mais singular e antigo, sucedido no tempo de Filipe II de Castela, então senhor de Portugal, acha-se descrito da forma seguinte:
«No tempo em que Filipe II de Castela era senhor de Portugal, intentou por advertência, que se lhe fez, mandar cortar, naquele sítio, alguns pinheiros para a fábrica dos navios; porque os havia nele não só de muita altura, mas grossura; e com a sua altura, ainda faziam mais alto e agradável aquele lugar. Foram assinalados muitos para o corte, e vindo dali a poucos dias para o executarem, se viram todos tortos e incapazes da serventia, que se pretendia para a fábrica das naus. Também se refere, por constante tradição, que se cortara um daqueles paus somente, dos que se assinalaram, e que deste se fizera um leme para a nau que tinha o título de Nossa Senhora da Atalaia, e que, posto nela, não governava nada. O padre Luís Marques, que foi capelão da Senhora muitos anos, referia que, muitas vezes, a vira com os vestidos orvalhados e molhados: e podem ter-se por verdadeiros estes sucessos, porque suposto outras pessoas o não viram, foi o referido padre um dos capelães mais devotos, que teve a capela da Senhora. Também se lhe viu breu em o vestido, sinal de que se não descuida de acudir e ajudar os seus barqueiros, que com devoção a servem; e logo se via concorrerem os devotos, a quem a Senhora havia feito os favores e benefícios, com as dadivas e ofertas em sinal de agradecimento: e assim se vêem nas paredes daquela casa da Senhora muitas memórias de cera, quadros, mortalhas e outras cousas deste argumento, que ofereceram os mesmos — que receberam os benefícios, em sinal e testemunho do seu agradecimento».
Outro não menos célebre se conta, por tradição, sucedera em Aldeia Galega a uma velha octogenária. Tinha esta uma filha, que falecera após um parto mui laborioso, parindo um menino vivo; não podendo a pobre velha, pela sua indigência, dar a criança a criar, rogou com tanta fé a Nossa Senhora da Atalaia, que, atenta à sua miséria, lhe fizesse o milagre de ela ter leite com que amamentar o seu netinho, e em tão boa hora foi feita a sua humilde suplica, que a Virgem Mãe de Deus, misericordiosa, acedeu aos seus desejos, e a pobre velha alcançou o que ambicionara, com grande pasmo de todos, que viram tão estupendo prodígio.
A devoção do povo para com Nossa Senhora da Atalaia, em todas as cousas da vida se tem manifestado. Muitos pais ao baptizarem os seus filhos invocam por madrinha Nossa Senhora da Atalaia; outras pessoas, ao edificarem ou reedificarem seus prédios, fixam nas paredes interiores ou exteriores, em bonitos azulejos, a efígie de Nossa Senhora da Atalaia, e finalmente outros, possuidores de embarcações, as denominam com o nome de Nossa Senhora da Atalaia.
- Source
- FRAZÃO, Fernanda Passinhos de Nossa Senhora - Lendário Mariano Lisbon, Apenas Livros, 2006 , p.118-120
- Place of collection
- Atalaia, MONTIJO, SETÚBAL
- Collector
- Manuel Frederico Ribeiro da Costa (M)