APL 2128 Lenda da Senhora do Cais
Conta a lenda que em certos tempos havia um senhor nobre muito poderoso, muito rico que era casado com a mulher mais bonita de Setúbal que era mesmo natural de Setúbal.
Um rapaz, filho de um pescador, uma pessoa muito pobre, apaixonou-se por essa mulher. Mas como a mulher era casada, o pai do rapaz fartava-se de o avisar para não olhar para a mulher e para olhar para raparigas da sua laia e ligadas à sua condição social.
Mas, está claro, como nestas coisas do coração ninguém manda, o rapaz gostou da mulher e volta e meia lá estava a fazer serenatas à janela da mulher. Mas, entretanto o pai avisava-o que aquilo ainda ia dar mau resultado para o lado dele porque até podia realmente levá-lo à morte, não é?
Os dias foram-se passando e o rapaz cada dia que passava lá ia fazer declarações. Até que num desses dias quem apareceu à janela não foi a mulher mas sim o marido. Ora o marido, não sabendo o que se passava, pensava que se tratava de um ladrão e ou mandou matar ou matou ele mesmo, pronto, matou o rapaz. Matou o rapaz e atirou o rapaz ao rio, uma vez que aquilo era ali mesmo junto ao rio Sado. Atirou o rapaz ao rio.
No outro dia, o pai como era pescador, está claro, lá foi para a faina do mar e quando o pai joga as redes ao mar para apanhar o peixe e afinal de contas o que é que encontrou: o corpo do filho. Ora como é natural, o homem ficou muito abalado com o que aconteceu e amaldiçoou a pessoa que foi causadora da morte do filho que ele sabia que era a tal mulher por quem o filho se apaixonara. Portanto amaldiçoou a mulher; a mulher quando se apercebeu, involuntariamente, do mal que tinha feito ao rapaz... Porque, afinal de contas, a mulher até não tinha culpa de ser bonita nem tinha culpa de vir à janela. Talvez de vir à janela ela tivesse culpa, agora de ser bonita é que não.
Portanto a mulher caiu nisso e cheia de remorsos, a mulher viu que já não tinha felicidade de maneira nenhuma. Portanto o que é que fez, naquele tempo era assim, entrou para um convento. Entrou para um convento, mas o pai (do rapaz) continuou a dizer, não sei quantos anos que ele nunca iria perdoar à pessoa.
Acontece que havia perto do rio, perto da praia um quartel que ainda há, mas nesse quartel havia um nicho com uma santa. A certa altura, portanto, por causa de um vendaval ou qualquer coisa, a santa caiu ao mar. O pai, como novamente, que andava lá nas artes da pesca, apanhou a cabeça da santa, não é? Qual não é o espanto do homem que afinal de contas, quando o homem apanhou na rede e viu que a caiada santa era precisamente igual, era mesmo a cara da mulher por quem o filho se tinha apaixonado.
Portanto, a partir daí, o pai realmente entendeu a mensagem e acabou por perdoar à mulher.
Ora conta a lenda e que é certo que até hoje nos nossos dias, essas pessoas que vivem nessa zona que nós sabemos e conhecemos, o povo de Setúbal sabe que é a zona das Fontaínhas, que é onde mora a maior parte dessas pessoas, ainda hoje têm uma festa, isto já lá vão muitos anos, têm uma festa que é no 15 de Agosto.
Nessa festa veneram essa santa e andam com a santa no rio de uma margem para a outra. Os pescadores e as mulheres quando não há peixe e a “coisa” corre mal na faina do mar, logo eles fazem preces santa para que a santa, realmente, faça com que venha peixe. Verdade ou mentira, conta a lenda, mas que a festa se faz é verdade que sim, até aos dias de hoje. E cumpre-se a lenda.
- Source
- AA. VV., - Arquivo do CEAO (Recolhas Inéditas) Faro, n/a,
- Year
- 1998
- Place of collection
- SETÚBAL, SETÚBAL
- Collector
- Pedro da Glória (M)
- Informant
- Silvina Glória (F), 52 y.o., born at SETÚBAL (SETÚBAL),