APL 1263 As Cavalhadas

Isto passou-se no século dezasseis e nessa altura sentiam-se fortes erupções vulcânicas na ilha de S. Miguel. No ano de mil quinhentos e sessenta e três o vulcão do Pico do Sapateiro, depois Pico Queimado, entrou em actividade, destruindo tudo o que a lava encontrava à sua frente. A freguesia da Ribeira Seca ficou quase totalmente soterrada, a ribeira ficou seca, mas a lava ao encontrar a ermida de S. Pedro, ladeou-a e a imagem do Padroeiro ficou intacta. Este acontecimento foi um milagre e a sua fama espalhou-se pela ilha.
 Anos mais tarde deu-se outro vulcão muito grande: O governador da ilha, que tinha a residência em Vila Franca, subiu às montanhas e, vendo o perigo que corria, lembrou-se do milagre ocorrido na Ribeira Seca da Ribeira Grande. Prometeu então que, se o seu palácio e a mulher que estava grávida fossem poupados, havia de ir todos anos, enquanto tivesse vida, no dia de S. Pedro, cantar a vida gloriosa deste Santo à porta da sua ermida à Ribeira Seca.
 As rezas do fidalgo foram ouvidas e, apesar da grande destruição, a família e o palácio do fidalgo foram poupados. Chegado o dia vinte nove de Junho, o governador deu cumprimento à promessa. Dirigiu-se em longa procissão com os seus vassalos, mordomos do Espírito Santo e simples peões para a Ribeira Seca da Ribeira Grande. Vestiam os seus melhores trajes e os mordomos usavam as fitas que lhes eram características, ou seja, fitas de cores garridas. Depois de uma longa e difícil caminhada, chegaram junto à ermida. O fidalgo declamou em quadras a vida do Santo e deu sete voltas ao adro, representando os sete dons do Espírito Santo. Depois dirigiram-se para a Ribeira Grande e deram três voltas à igreja do Espírito Santo, hoje da Misericórdia, e à igreja de Santo André, irmão de S. Pedro.
 Os anos foram passando, o fidalgo continuava a cumprir a sua promessa e o povo da Ribeira Seca começou a juntar-se a esta festa. Ofereciam as frutas da época, organizadas em alâmpadas, enfeitadas por hortênsias azuis, representando as primeiras frutas que a terra deu depois das erupções. Passados anos o fidalgo morreu, mas a devoção já era grande e continuaram a celebrar a festa. Ainda hoje o desfile que representa o fidalgo e a sua comitiva e a que chamam “Cavalhadas” se realiza no dia vinte nove de Junho, feriado municipal. A Ribeira Seca enche-se de gente para ouvir os versos a S. Pedro e ver qual o mais bonito de entre os fatos coloridos dos participantes, que não vêm já da Vila Fraca, mas mesmo ali de Santa Bárbara. São sessenta cavaleiros de trajes brancos, enfeitados com laços de cores e chapéu alto bordado com fio de ouro e pedras. Há também o rei que usa chapéu de bicos, capa azul bordada a ouro, calções vermelhos e é rodeado pelos despenseiros, encontrando-se os corneteiros dispersos e os lanceiros a fechar o cortejo.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.87-88
Place of collection
RIBEIRA GRANDE, ILHA DE SÃO MIGUEL (AÇORES)
Narrative
When
1563
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography