APL 1218 A Furna de Santo Cristo

Um certo dia, uma mulher de Vila do Porto, que não tinha lenha para acender o lume ao forno, foi ao areal do Calhau do Peixe juntar bocados de madeira arrastados pelo mar ou cavacos e maravalhas deixadas pelos carpinteiros da ribeira, que estavam a construir um barco.
 Ao chegar a casa com a lenha, a mulher acendeu o lume do forno, deitando algumas maravalhas e por cima troncos mais grossos. Começou a notar que uns dos paus dava um estalido, saltava e saía pela porta do forno, caindo para o chão, sempre que era chegado para o fogo. Tentou fazê-lo atear quatro ou cinco vezes, mas acontecia sempre o mesmo — nunca lhe pegava lume.
 Admirada e já impaciente, pôs-se a olhar para o pau e botou sentido que era um bracinho com cerca de uns trinta centímetros de comprimento, de uma imagem de madeira. Foi entregá-lo ao senhor Padre no dia seguinte de manhã, contando-lhe o que acontecera.
 Estava-se nos princípios do século dezoito, época de grande pressão religiosa e o vigário, pensando tratar-se de assunto de certa gravidade, que podia ser entendido como heresia, pediu ajuda aos franciscanos e a outros padres da ilha com vista a que se investigasse de onde tinha sido partido o bracinho.
 Entretanto, alguns homens, que tinham ido pescar de noite para as baixas do lado da Ponta do Marvão, não muito longe do Calhau do Peixe, ao regressarem a casa, já ao amanhecer, passaram por uma furna que havia na encosta, um pouco acima do nível do mar, e repararam que estava uma cruz ali entalada.
 Aproximaram-se mais, viram que se tratava de uma imagem de Cristo crucificado, a que faltava um braço. Trouxeram-na consigo. A notícia espalhou-se e começou a juntar-se muita gente no Calhau da Roupa, entre eles vários padres e frades franciscanos.
 Consideraram este caso milagroso e, com grande solenidade, trouxeram em procissão a imagem do Cristo para a Igreja da Misericórdia, colando-lhe, posteriormente, o braço que a mulherzinha tinha encontrado.
 Passaram a chamar à gruta onde se encontrou a cruz “Furna de Santo Cristo”, nome ainda hoje usado pelos pescadores. A imagem do Senhor crucificado, milagrosamente encontrada, foi colocada em capela provisória da Igreja da Misericórdia. Mais tarde foi transferida para a Capela do lado da homília da Igreja do Senhor dos Passos, anexa ao hospital velho, onde hoje se encontra, podendo ver-se ainda perfeitamente o bracinho esquerdo colado.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.30-31
Place of collection
VILA DO PORTO, ILHA DE SANTA MARIA (AÇORES)
Narrative
When
18 Century, 10s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography