APL 1241 A Festa da Pombinha
Corria a Quaresma do ano de mil seiscentos setenta e três e uma terrível epidemia estendia-se por Ponta Delgada. Todos os dias morriam mais de vinte pessoas. As gentes de S. Miguel e principalmente as da cidade andavam aterrorizadas e pediam a Deus o Seu auxílio. Mas parecia que as orações eram em vão. A epidemia continuava a alastrar, e matava ricos e pobres, velhos e novos. Quando entrava numa casa parecia que não queria sair de lá sem levar todos para o cemitério.
Algumas das pessoas mais distintas de Ponta Delgada, não sabendo mais o que fazer; resolveram ir consultar um desses homens que vêem nos astros o que se vai passai Este homem, cujo nome era Lucas, disse-lhes que havia uma rapariga na cidade, iluminada pela Divina Graça e que só a sua intercessão faria parar a epidemia.
Essa jovem era Cristina de Gusmão, que se tinha refugiado numa casa nas Capelas, onde rezava fervorosamente para que a terrível doença desaparecesse. Era uma jovem de vinte anos, muito bonita e cheia de graça, mas também muito simples e crente.
Um dia, deu-se o que o astrólogo previra. Enquanto Cristina de Gusmão rezava piedosamente, apareceu-lhe uma Pomba que lhe sussurrou como poderia acabar com a desoladora epidemia. Cristina teve muita fé e começou logo a imaginar uma bandeira, o primeiro estandarte do Espírito Santo, que mãos hábeis e fervorosas bordaram a seda e ouro. Formou-se, a seu pedido, o Império dos Nobres e, no primeiro sábado depois da Páscoa, a nobreza e o povo da cidade saíram à rua em procissão solene, conduzida por foliões.
Nesse mesmo dia, como que afugentada pelo rufar dos tambores dos foliões, desapareceu a doença e mesmo aqueles que estavam muito mal se reanimaram.
Todos estavam espantados com tão rápidas melhoras e, na segunda
-feira seguinte, em acção de graças, houve uma missa cantada, celebrada no altar de S. Roque da Igreja Matriz de Ponta Delgada. Enquanto a missa decorria com toda a solenidade e devoção, entrou pela lindíssima porta manuelina uma alva Pomba que, dando três voltas pelo interior do templo, foi pousando, depois, sucessivamente, no friso de uma capela, no púlpito e no altar-mor. Ali ficou e só quando a solenidade terminou, a mansa Pomba saiu por uma fresta, deixando todos os presentes maravilhados.
A partir de então passou a chamar-se à segunda-feira da Pascoela, segunda-feira da Pombinha e todos acreditaram que a epidemia tinha desaparecido por força do Espírito Santo, que se tinha manifestado em forma de Pomba e tinha inspirado Cristina de Gusmão e acompanhado os habitantes de Ponta Delgada na missa de acção de graças.
Durante muitos anos e ainda hoje os habitantes da cidade rezam a sua missa de acção de graças na segunda-feira da Pascoela ou segunda-feira da Pombinha, nome que também hoje se atribui ao dia a seguir ao domingo de Espírito Santo.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.65-66
- Place of collection
- PONTA DELGADA, ILHA DE SÃO MIGUEL (AÇORES)