APL 1304 A Ermida de S. Pedro Gonçalves ou do Corpo Santo

Corria o ano de mil quatrocentos sessenta e três e, depois de descoberta a Terra Nova, João Coelho, João Vaz Corte Real e Pero de Barcelos regressavam aos Açores, à ilha Terceira. As caravelas eram frágeis e os mares turbulentos, mas a coragem e a perícia animavam os navegadores. João Coelho, a quem chamavam o mareante Leonês por constar que era descendente dos Reis de Leão, era um bravo homem e grande marinheiro, o que lhe dava prestígio. Dizia-se que, como Salomão, tinha conseguido a sabedoria orando de joelhos, ao nascer do sol, durante os sete primeiros dias do novilúnio, por um espaço de três meses.
 A certa altura da viagem, o vento começou a soprar com força, o céu escureceu e as ondas levantaram-se. Uma horrenda tempestade desabou e, apesar do mareante Leonês pôr em prática toda a sua sabedoria, a caravela estava quase a sumir-se nas profundezas das águas. João Coelho, não sabia mais o que fazer, quando, olhando para a gávea, teve uma visão de S. Pedro Gonçalves, o patrono dos navegantes, que lhe disse:
 — Tua filha chamou-me para te socorrer. Aqui me tens, não tenhas medo.
 Dito isto, desapareceu, mas logo nos mastros, perante todos os marinheiros, surgiu um clarão, o Fogo de Santelmo, proveniente de dois penachos luminosos.
 A alegria foi geral e todos ganharam esperanças, porque sabiam que o Corpo Santo era prenúncio de bonança.
 O Mareante Leonês pensou logo na sua jovem filha, Odília, de cabelos negros, olhos escuros e melancólicos, que reflectiam toda a sua humildade e fé. Sabendo que ela era muito devota de S. Pedro Gonçalves, convenceu-se que a arte notória, no momento de perigo, não lhe valera tanto como as orações fervorosas da filha.
 O Mareante Leonês, profundamente agradecido, prometeu levantar uma ermida a S. Pedro Gonçalves numa rocha vistosa sobranceira ao mar, na sua querida ilha Terceira.
 Entretanto a tempestade começou a serenar e a caravela continuou a navegar, até que numa bela noite de Outono entrou no porto de Angra. Nesse momento, o Mareante Leonês, sobre a amurada da caravela, vislumbrou, iluminado pelo luar, o alto rochedo sobranceiro ao Monte Brasil e decidiu que havia de levantar ali a ermida ao Corpo Santo.
 Assim fez e hoje ainda lá está a ermida tão venerada pelos marinheiros e pescadores. O velho bairro dos pescadores da cidade passou também a chamar-se Bairro do Corpo Santo.
 Na Primavera, no terceiro domingo depois da Páscoa, faz-se a procissão e S. Pedro Gonçalves desce do alto do Cantagalo à cidade de Angra, seguido por Nossa Senhora da Boa Viagem, que também tem altar na ermida. A música da filarmónica alegra o ar, os barcos estão guarnecidos de ramos de faia ou incenso e enfeitados de bandeirinhas de cores. A imagem do santo toca em todos os barcos e os marinheiros esperam que ele os proteja nas suas viagens, tal como fez com João Coelho, o Mareante Leonês.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.132-133
Place of collection
Angra (Sé), ANGRA DO HEROÍSMO, ILHA TERCEIRA (AÇORES)
Narrative
When
1463
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography