APL 935 A cruz de poiares

Na igreja paroquial de Poiares, situada no Concelho do Peso da Régua, há uma cruz muito antiga e muito valiosa, que, segundo a lenda, foi encontrada no monte, graças a uma pastora.
 Vamos então saber como o povo conta o aparecimento da cruz.
 No tempo das invasões dos mouros, os habitantes da freguesia, com receio de que a roubassem ou profanassem, esconderam-na debaixo das pedras duma parede, no morro da mata de Santa Bárbara.
 Passado o perigo dos invasores, lá continuou escondida, pois as novas gerações desconheciam a sua existência.
 Quanto tempo lá esteve, ninguém o sabe ao certo, mas que foi muito não há dúvida nenhuma.
 Ora havia uma pastora que para lá ia todos os dias com o seu rebanho. E, enquanto as ovelhas pastavam mansamente, entre os arbustos, comendo as ervas tenras da mata, ela sentava-se na referida parede, a fiar lã, para aproveitar o tempo e não se aborrecer.
 O fuso girava-lhe velozmente na mão e as maçarocas iam passando para a cesta de palhinha que trazia sempre consigo, para levar a merenda.
 Um dia, estava ela entretida na sua tarefa habitual, olho na roca, olho no rebanho, quando, inexplicavelmente; o fio de lã partiu e o fuso se enfiou, num abrir e fechar de olhos, por entre as pedras do muro, em que estava sentada, sem deixar rasto.
 Ficou muito surpreendida por não perceber como podia ter acontecido uma coisa assim, num buraco, onde mal cabia uma agulha, e ainda por cima, por ter ouvido um som metálico, ela que não conseguia ouvir o balido das ovelhas.
 Confusa e nervosa, não esperou pelo fim do dia para regressar a casa. Juntou o rebanho e pôs-se imediatamente a caminho da aldeia, com a roca sem o fuso e a lã por fiar.
 Os pais estranharam a sua chegada àquelas horas e a excitação que se lhe espelhava no rosto, e pediram-lhe explicações.
 Então, a filha contou-lhes como o fuso lhe fugira da mão e desapareceu no interior das pedras do muro, onde se encontrava sentada, e como escutara uma pancada por ele produzida, num objecto de metal.
 Mas aquela explicação não fazia sentido. Então o fuso penetrava assim, sem mais nem menos, no buraco da parede, já com lã enrolada e ela nem sequer o fio enxergava?
 E a sua estupefacção era ainda maior, sabendo que a filha era surda como uma porta e ouvira o ruído do fuso.
 E como estava logo um objecto de metal numa parede de pedra, precisamente onde o fuso caíra?
 Estaria a filha a mentir? Não andaria a regular bem?
 Eram perguntas para as quais não encontravam resposta.
 Com aquelas dúvidas a fervilhar-lhes na cabeça, resolveram ir ao monte, para tirar tudo a limpo.
 Dirigiram-se imediatamente para lá, acompanhados de alguns vizinhos a quem tinham contado a sua inquietação, cheios de curiosidade.
 Guiados pela pequena, acercaram-se do lugar, onde tudo acontecera. A primeira impressão parecia contrariar o relato da pastora. Não encontraram orifício suficiente para deixar passar o fuso.
 Mas, para dissipar todas as dúvidas, começaram a esbarrondar a parede e não foi preciso esperar muito para que tudo se esclarecesse.
 Ao levantar uma pedra junto do alicerce, avistaram, com grande surpresa, o fuso que procuravam. E a surpresa aumentou, quando descobriram, debaixo dele, uma cruz de prata, muito bonita e muito bem trabalhada.
 Um ah! de espanto saiu da boca de todos. E, como se tudo aquilo não bastasse, outra surpresa ainda maior os esperava: a menina conseguia ouvir tudo o que eles diziam!
 - Milagre! Milagre! Bendito seja Deus que nos restituiu a cruz perdida e curou a menina surda!
 Depois, chorando de alegria, levaram a cruz para a povoação e colocaram-na dentro da igreja de Poiares, onde ainda se encontra.
 O seu grande valor real ajudou a criar a lenda que, por sua vez, a torna ainda mais apreciada e motivo de orgulho para os habitantes da freguesia, que dizem não haver outra como ela.

Source
FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.133-135
Place of collection
Poiares, PESO DA RÉGUA, VILA REAL
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography