APL 2170 [A Andorinha, a mensagem e o convento]
Antigamente morava na rua da Praça uma familia composta de mãe, tres filhas e tres irmãos, pertencente á familia dos Athaides. O chefe da casa era militar e achava-se em Lisboa, onde era muito estimado dos nossos reis.
Em uma noite de verão — era um sabbado — estavam as quatro senhoras resando no seu oratorio, que deitava uma janeila para a Praça, quando succedeu entrar pela janella aberta uma andorinha.
Ora a andorinha é uma ave muito estimada pelo algarvio que a denomina ave de Nossa Senhora.
Pôz-se a andorinha a voejar pelo oratorio, ate que uma senhora conseguiu apanhal-a. Chamaram os irmãos, que jogavam n’uma sala proxima ao dominó com alguns amigos, e depois de todos terem examinado a andorinha, uma das senhoras pediu para que deitassem novamente a andorinha a voar; e a mais nova segurou delicadamente com um tio de retrós um bilhete sob a axila da ave com as seguintes palavras: — De onde vens e para onde vais! — Lançaram a andorinha ao ar, e esta despediu n’um vôo rapido aqueile guinchozinho de alegria proprio d’aqueilas aves.
No anno seguinte, e á mesma hora, do mesmo dia, entrou novámente a mesma andorinha no quarto do oratorio onde as senhoras estavam reunidas; logo a senhora mais nova ergueu-se e conseguiu apanhar a andorinha. Examinou-a sob a aza, e viu um novo bilhete; chamou os irmãos, reuniu-se por assim dizer toda a fainilia, e todos verificaram que sob a aza existia um novo bilhete, que dizia o seguinte:
— Sou do convento de S. Francisco de Gôa —.
Esta resposta produziu na senhora mais nova grande impressão: pareceu-lhe que aqueilas palavras significavam um convite de Nossa Senhora a que entrasse num convento; e por mais que as irmans e os irmãos tentaram dissuadil-a daquella resolução de entrar em um convento, dia mais insistia na sua resolução. Participaram ao pae, e este vem immediatamente a Alvôr, e vendo que a filha estava resolvida a entrar num convento, auctorizou-a a que entrasse.
Até aqui combina a lenda que eu ouvira em criança a minha mãe com a lição da mesma lenda, que ainda hoje corre em Alvôr, e me foi enviada pelo reverendo paroco encomendado.
Continua a lenda, conforme a lição ultimamente recebida:
«Effectivamente esteve tudo preparado para a senhora entrar no convento, mas na vespera desse dia, a senhora morreu!
O final da lenda, segundo minha mãe contava é outro, muito diverso.
Diz:
— Vendo o pai que a filha estava de todo resolvida a entrar no convento, deu-lhe a auctorização necessaria, e a familia toda acompanhou a menina a Lisboa. Na vespera de professar, soube a rainha do facto e deu mostras de querer conhecer a nova professa. Foi-lhe apresentada pelo pai. A rainha então disse, ao despedir-se:
— Vá, minha menina, assim eu podésse fazer o mesmo.
Na occasião em que que se realizou a profissão, ficou toda a gente surprehendida de ver senhora tão nova completamente satisfeita, e isto no momento em que lhe cortavam as suas famosas tranças e em que os membros de sua familia, não podendo conter as lagrimas, as deixaram correr em profusão. A nova professa, curvando-se respeitosamente perante o pai, e irmãos, retirou para o convento, onde foi freira de muitas virtudes, chegando a ser prioreza do mesmo convento.
E’ assim que termina a historia que me foi contada.
- Source
- OLIVEIRA, Francisco Xavier d'Ataíde A Monografia de Alvor Faro, Algarve em Foco, 1993 [1907] , p.196-198
- Place of collection
- Alvor, PORTIMÃO, FARO