APL 1262 Coisa Má
A ilha de S. Miguel, quando foi descoberta, era dominada pelos demónios e coisas más que perturbavam as pessoas.
Nos primeiros tempos do povoamento, Rui Vaz do Trato era um dos homens mais ricos da ilha pois tinha muito gado, muitas criações na Vila-Franca, nas Furnas, nas Sete-Cidades, nos Ginetes, em Rabo de Peixe e na Ribeira Grande. Apesar de ser um homem de muitas posses, gostava de ir ver ele mesmo os seus haveres várias vezes por ano, fazendo todo o percurso sozinho, montado a cavalo.
Um dia vinha das Sete Cidades e anoiteceu em Rabo de Peixe, que era ainda um lugar deserto e com apenas algumas cafuas onde dormiam os vaqueiros e os roçadores do mato. Chegando de noite a uns biscoitos, já próximo da Ribeira Grande, onde depois se ergueu uma cruz, num pequeno outeiro de pedra, saiu-lhe ao caminho uma coisa má, que se arremeteu a ele. Rui Vaz do Trato, julgando que era um touro, andou às lançadas nele e tão intensa foi a peleja que o cavalo e o dono chegaram a casa muito pisados.
O rico proprietário deitou-se sem comer e sem contar a ninguém o que lhe tinha acontecido, mas antes que amanhecesse, levantou-se e foi ver se achava o touro no dito lugar.
Porém, ao chegar lá, não viu qualquer animal e todo o campo estava coberto de erva viçosa. No chão não havia sinais de pés de besta, nem de luta, apenas a vereda por onde passavam habitualmente.
Rui Vaz do Trato compreendeu que não se tinha defrontado com um animal qualquer, mas com o diabo ou coisa má.
Voltou para casa muito perturbado. Contou à mulher o que lhe tinha acontecido, mas ela quase nada entendeu porque ele mal podia falar. Passados poucos dias morreu deste assombramento por uma coisa má.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.86-87
- Place of collection
- RIBEIRA GRANDE, ILHA DE SÃO MIGUEL (AÇORES)