APL 1903 O Pastor, o Cutelo e o Lobisomem
Certo pastor notou que, todas as noites, havia grande reboliço no curral onde guardava as suas cabras. Quando, numa dada noite, resolveu ir ver o que se passava, apercebeu-se que havia um bode, estranho ao rebanho, a escapulir-se a tempo de não ser apanhado. E só então as cabras sossegaram.
— Atreve-te a voltar cá e verás o que te acontece! — murmurou o pastor, ao descobrir o motivo de tamanho alvoroço no curral.
Na noite seguinte escondeu-se numa seara e esperou, com um cutelo nas mãos, que o bode aparecesse. Quando o viu aproximar-se, lançou-lhe o cutelo e cravou-lho no lombo. Convencido de que o tinha morto, o pastor não se preocupou mais com o animal, e foi-se deitar.
Na manhã seguinte, foi ao sítio onde supunha encontrar o bode morto, e a única coisa que viu foi o chão todo cheio de sangue. O animal havia desaparecido.
— Pelo menos, ficaste sem vontade de cá voltar! — reagiu o pastor. E, na verdade, em nenhuma das noites seguintes voltou a haver reboliço no curral.
O tempo foi passando, até que um dia o pastor precisou de ir à feira, a uma aldeia vizinha, para comprar novas reses. Após acertar o preço com um dos vendedores, apercebeu-se que ele tinha, também à venda, o seu cutelo. E logo lhe perguntou:
— Onde é que arranjou esse cutelo?
— E porque quer saber? — perguntou, por sua vez, o vendedor.
— Porque ele é meu! — respondeu, com total segurança, o pastor.
O feirante não hesitou um momento. Pegou no cutelo e devolveu-lho. E ainda lhe deixou levar as reses que havia justado sem lhe cobrar dinheiro por elas.
— Porque me está a fazer isto? — intrigou-se o pastor.
— Faço-o em paga de me ter salvo ao livrar-me do maldito fadário que atormentava as minhas noites.
O pastor soube então que o misterioso bode era um lobisomem, e que, ao feri-lo com o seu cutelo, lhe quebrou o fado. Ficaram, por isso, grandes amigos.
- Source
- PARAFITA, Alexandre Antologia de Contos Populares Vol. 1 Lisbon, Plátano Editora, 2001 , p.195
- Year
- 1990
- Place of collection
- VINHAIS, BRAGANÇA
- Informant
- Guilhermino Bernardino Fernandes (M), 70 y.o., VINHAIS (BRAGANÇA),