APL 1851 O Lobisomem
Um ganhão que era lobisomem, um dia, seguia de noite com o carro dos bois, acompanhado da mulher que levava um filhinho nos braços. A certa altura, dirigindo-se à mulher, diz-lhe:
- Olha, mulher, eu vou ali; e tu pegas nesta vara para, se vires alguma coisa vir direita a ti, lhe picares. Não tenhas medo porque, se assim fizeres, nada te acontecerá. O homem lá foi ter a “perneta”, fazendo-se lobisomem.
Já transformado em cavalo, seguiu o carro, onde ia a mulher com o filhinho e, a certa altura, deitou as patas para cima deles.
A mulher teve medo e, no meio de toda aquela atrapalhação, não o picou.
Ele tirou-lhe o menino e abalou com ele, comendo-o.
A mulher ficou a gritar, mas lá continuava no carro que ia andando.
Quando ele apareceu, depois de lhe passar a “perneta”, já como homem, veio outra vez ter com a esposa. Viu a mulher ainda a chorar e perguntou-lhe:
- Que tens tu?
- Olha, veio aqui um cavalo, tirou o menino e levou-mo.
O homem respondeu:
- Então, mulher, eu não te avisei que, se visses vir alguma coisa direita a ti, lhe picasses?..
A seguir, montou-se no carro e lá seguiu com a mulher.
Ao outro dia, estando os dois juntos, a certa altura, ele riu-se a propósito de qualquer coisa. A mulher viu então, nos dentes do homem, os fios do fato do menino e perguntou-lhe:
- Ó homem, que tens tu aí nos dentes?
O marido, a chorar, respondeu:
- Eu bem te disse que se visses vir alguma coisa direita a ti, lhe picasses... Pois fui eu, na verdade, que comi o nosso filho, porque tenho esta “perneta” de me transformar em lobisomem, correndo, por isso, para apanhar e comer quem se me deparar pelo caminho... Para a outra vez, mulher, quando isto tornar a acontecer já sabes que não podes passar sem me picares.
- Source
- AA. VV., - Arquivo do CEAO (Recolhas Inéditas) Faro, n/a,
- Place of collection
- Ferro, COVILHÃ, CASTELO BRANCO
- Collector
- Maria da Ascensão Rodrigues (F)