APL 2471 Bruxas e Lobisomem

A minha mãe trabalhava no armazém deste senhor e este senhor tinha uma padaria e tinha uma loja, ainda lá está a loja no mesmo lugar, a casa e a minha mãe trabalhava até à meia-noite, coitadinha. Chegou a casa e não tinha pão para comer, nem para comer nem para jantar. Naquela altura a gente éramos pequenos e não tínhamos coiso de ir buscar o pão. Meia-noite. A minha mãe chegou a casa fomos à meia-noite.
Ora à meia-noite abalámos para baixo, era eu e o meu irmão pequenos, agarrados à minha mãe, coitadinha. O meu irmão era de diferença de mim pouco tempo. A gente fomos os três, chegámos ali às “covas”, chamavam as covas lá em baixo, que é naquela rua que vai para a igreja, ali perto. E então a gente ouve uns uivos, aquilo era um lobisomem. Os uivos eram tantos que saíam para baixo da terra, eu chorava com o meu irmão com o medo, a minha mãe não dizia nada à gente para a gente não chorar mais. E aquilo os uivos até saía para baixo do chão, eram tantos, não sei explicar. Aqueles uivos, aquilo era horrível. De maneira que a minha mãe para agente não chorar mais, atravessamos as covas para trás e fomos dar à estrada que actualmente é a estrada principal e então fomos.
Oh filha, as bruxas eram tantas atrás da gente, a guisada era tanta atrás da gente, que eu tapei os ouvidos e eu e o meu irmão a gente só chorava. A minha mãe dizia:
- Não olhem para trás.
Pareci que vinha aí, não sei quantos carros atrás da gente a guisar com aqueles guizos. Era guizos a montes, a gente até, não sei, arrepiava… a gente estava tudo com medo. Era as bruxas que vinham atrás. Era terrível filha, a guisada parecia, eu não sei explicar os guizos que eram.
Ora eu chorava agarrada há minha mãe e a minha mãe agarrada a gente a tremer e a chorar. Bom, chegámos então a um pontão, ao pontão ante da igreja. Ante da igreja há um pontão, aí, parámos agente, pararam a guisada toda. Nunca mais ouvi guizos. As bruxas desaparecem, porque aquilo é perto dali da igreja, onde era a loja do senhor, era mesmo em frente á igreja, ainda está lá uns cento e cinquenta, a mesma loja. Que a senhora tinha uma loja de roupa e vendia pão. Cozia pão e vendia. Ora a minha mãe chega lá e diz assim, estava o senhor, que a minha mãe sabia que o senhor tinha chegado, que era onde ela trabalhava. Diz ele assim:
- Oh Assunção que jeito vires com os meninos aqui a esta hora?
E a minha mãe era assim:
- Oh senhor Blé Pontes, fui obrigada a vir porque não tinha pão para jantar, nem eles. E então vim buscar o pão.
Porque eles faziam pão lá. A minha mãe depois pegou no pão, mas não quis dizer nada a ele, porque ele era muito trocista destas coisas. Trocava tudo, era aquela pessoa que não acreditava em coisa nenhuma e a minha mãe não lhe contou nada, cheia de medo e desejando de a gente vir. Bom, a gente lá na parte de cima da igreja, é mesmo em frente á igreja a casa, a seguir um passinho, na rua que se virava para cima que eram esses medos, a gente virámos para cima, já não fomos para baixo. O que é que havia de vir? Um senhor que ainda foi meu tio porque esteve junto a uma tia minha, que chamava-se Zé Janota, chega o senhor e diz assim:
- Vocês vão com medo, não vão?
E a minha mãe:
-Nem lhe digo nada, tão pouco. Diz a minha mãe. Se eu pudesse pôr os calcanhares em cima das costa, que eu passei mesmo ali ao pé dos uivos daqueles lobisomens.
-Eu nem sei explicar. Disse-lhe o senhor. O medo que eu apanhei. Eu agora vou levar vocês a casa. Os meninos devem estar assustados. Disse ele.
E ele veio levar a minha mãe a casa, aqui á rua de São Gonçalves Laura, a casa da minha mãe era aqui. A Cátia sabe onde é. Ainda era um bocado longe, era ali lá em baixo.
Oh filha, foi terrível, eu estive sempre isto para contar, e então as lágrimas. Eu a contar isto chorava sempre. Dos uivos que eu ouvir, não é? Eu agarrei-me á minha mãe, e a minha mãe, a gente agarrou-se a ela com um susto tão grande daqueles uivos tão fortes. Eu nunca mais ouvi uma coisa daquelas. Até parecia que vinha debaixo do chão. Foi horrível. E então, viemos para casa. A minha mãe no outro dia, o senhor, a minha mãe contou a ele:
- Oh senhor Blé Pontes (ele chamava-se Blé Pontes) sabe porquê que eu não lhe quis dizer? Porque você é muito abusador destas coisas e você dizia que era mentira aquilo que a gente ouviu.
Diz ele assim:
- Ai mulher, então isso foi horrível, se você tivesse-me dito eu tinha levado você e os meninos no carro, que eu tinha o carro e ia levar vocês.
A minha mãe não quis dizer porque ele era muito trocista e então não acreditava nisso. E então o senhor disse:
- Ai mulher se eu soubesse tinha levado vocês.
Oh filha foi um susto tão grande, não foi pouco, que nunca mais lembro-me de uma coisa daquelas. 
Que eu tinha seis ano de idade, há setenta anos, filha.

Source
AA. VV., - Arquivo do CEAO (Recolhas Inéditas) Faro, n/a,
Year
2007
Place of collection
Quarteira, LOULÉ, FARO
Collector
Cátia Jeremias (F)
Informant
Maria Assunção Jeremias (F), 77 y.o., born at Quarteira (LOULÉ),
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography