APL 1314 Lenda da Lagoa do Ginjal

No século quinze, vivia na freguesia dos Altares, na Ilha Terceira, Pérola Rego, descendente dos Regos e dos Baldaias pela linha masculina e dos Pamplonas pela feminina. Era uma bela jovem de cabelos louro-escuro, brilhantes e fartos, olhos castanhos de cetim, pele rosada e fina. Estes predicados assim como a doçura e bondade de coração granjeavam-lhe um grande número de apaixonados, desejosos de a roubarem à tranquilidade do solar paterno.
 Uma bela manhã, Pérola, levada por uma fascinação estranha, desceu o eirado e foi espelhar-se na água da cisterna. Uma fada, que queria defender Pérola de pretendentes fascinados, mas que não a amavam verdadeiramente, estava aí escondida à sua espera. Produziu o encantamento, apossando-se da vaporosa imagem reflectida na água. Começou então a magicar a forma de surpreender Pérola Baldaia durante o sono, para a arrebatar dos Altares e conduzir ao seu palácio encantado, situado no interior da ilha, junto ao Pico do Vime. O palácio imaginado pela fada para a bela jovem tinha jardins viçosos e bosques com árvores indígenas, tais como o azevinho, o sanguinho, o cedro e o pau branco. Havia ainda campos onde louros trigais se enfeitavam do vermelho das papoilas. No centro ficava o castelo, deslumbrante, todo em mármore, marfim, prata e oiro.
 À meia-noite da véspera do dia de S. João, quando as estrelas brilhavam suavemente e a lua era rainha, Pérola foi levada pela fada nas suas asas brancas.
 A notícia do rapto espalhou-se e os jovens enamorados recorreram a uma feiticeira que lhes revelou o palácio encantado onde estava a pretendida. Uns queriam ir em som de guerra sitiar o castelo. Outros, mais cuidadosos, consultaram uma velha benzedeira dos Biscoitos que sentenciou saírem com alaúdes, à maneira de trovadores, cantando versos feiticeiros e executando marchas de magia, até avistarem o palácio encantado. Alertou-os para o facto de que encontrariam uma inscrição sobre um rochedo e que, se fosse gravado a prata, indicaria o modo de atrair Pérola, mas, se fosse gravado a fogo, o seu feitiço não tinha força para vencer e nenhum deles merecia o amor da jovem.
 Partiram de madrugada e iam cantando os versos ensinados pela benzedeira. De repente, um grito de alegria ecoou, enquanto ao longe aparecia o palácio brilhando ao sol nascente.
 Desceram a encosta, percorreram um vale, subiram uma colina e, magicamente, no sítio onde momentos antes tinham visto nitidamente o palácio, agora só aparecia uma lagoa. Encontraram logo a inscrição gravada a fogo que dizia o seguinte: “Aqui, neste espaçoso lago, escondeu-se o palácio da linda Pérola, donzela de cabelos loiros”.
 Voltaram desiludidos e desistiram da ideia de conquistar Pérola, mas a mãe da jovem, cristã piedosa, na própria manhã do rapto fora-se ajoelhar diante da imagem de S. Roque e pedira a sua intervenção. No fim da prece ouviu uma voz que lhe segredou:
— Vai tranquila, a tua filha está entregue ao Anjo da Guarda. Os pretendentes foram vencidos e, no dia de S. Pedro, à hora do pôr-do-sol, Pérola surgirá no terraço do solar, acompanhada por um Arcanjo, num batel de marfim puxado por um cisne.
 Assim sucedeu. Pérola voltou a casa e alguns anos mais tarde um bravo e digno cavaleiro que vestia a armadura refulgente do Santo Gral apaixonou-se e desposou a bela jovem.
 O lago que escondeu o palácio encantado lá ficou, embelezando a paisagem campestre, e passou a chamar-se Lagoa do Ginjal por ali existir uma ribanceira coberta por um belo ginjal.

 

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.143-145
Place of collection
Altares, ANGRA DO HEROÍSMO, ILHA TERCEIRA (AÇORES)
Narrative
When
15 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography