APL 3253 Lapa

Situada na penhascosa e desabrida serra da Lapa. N’ella esta o santuario da Senhora da Lapa, muito frequentado, especialmente a 15 de agosto, que se faz aqui uma grande romaria.
No meio da capella-mór ha um enorme penedo, no qual está encaixado o altar da Senhora (e é por isso que se chama da Lapa.) Consta que a origem d’este santuario é a seguinte:
Al-Mançor, rei, ou califa de Córdova, perseguidor feroz dos christãos, invadiu a Lusitania em 983, levando tudo a ferro e fogo. Assolou a maior parte do Minho, e as cidades de Viseu e Lamego, e todas as mais povoações por onde fez a sua passagem devastadora.
As freiras do convento de Sesmíro (hoje Sermillo) abandonaram o seu mosteiro, fugindo ás crueldades de Al-Mançor; mas, para que os mouros não commettessem algum sacrilegio a uma imagem da Virgem, que tinham em grande veneração, a esconderam entre umas brenhas. Al-Mançor, arrasou este mosteiro até aos seus fundamentos sem deixar pedra sobre pedra. Diz-se tambem que as freiras foram agarradas pelos mouros, que assassinaram umas e levaram outras captivas. No sitio onde foi o convento, ainda hoje existe uma ermida, chamada de Nossa Senhora do Mosteiro.
Desde 983 até 1498 esteve a imagem da Senhora escondida na lapa, e n’este ultimo anno, uma menina, muda de nascimento, chamada Joanna, do logar de Quintella, que fica a pouca distancia da lapa, andando a guardar o gado a seus paes, lembrou-se um dia de entrar na lapa, e alli achou a santa imagem, e a metteu na cêsta onde guardava as maçarocas. Era a imagem pequenina mas muito formosa, e a pastorinha, soberba do seu thesouro, a enfeitava como podia, com as mais bonitas flores que achava n’aquelles alcantis.
Quando á noite recolhia para casa, não fazia outra cousa senão vestir e despir a Senhora, até que sua mãe, aborrecida d’aquella insistencia da filha, lhe tirou a imagem das mãos e a arremessou á fogueira. Então a menina, tansida de horror, disse em voz clara e vibrante: «Ta, não faça isso.» A falla foi desde então restituida á pastorinha e sua mãe ficou com os braços e pernas sêccos.
Áos gritos das duas acudiram os visinhos, ficando todos pasmados d’estas maravilhas, e levando a Senhora para a sua Lapa, guiados por Joanna. Assim que a Senhora foi collocada no seu escondrijo de 515 annos logo a mãe da pastorinha adquiriu saude perfeita.
Alli coustruiram á Senhora um altar rústico, e a fama d’estes milagres em breve circulou por todas aquellas terras, affluindo á lapa numerosos romeiros, não só da Beira, Traz-os-Montes e Minho, mas até de Hespanha.
Com o producto das avultadas offertas se lhe fez uma vasta egreja, em cuja capella-mór, da parte da Epistola, fica o altar da Senhora, que é uma lapa, formada por quatro grandes penedos, que parecem alli postos artificialmente e de proposito para isto.

Source
PINHO LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Portugal Antigo e Moderno Lisbon, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo IV, pp. 49-50
Place of collection
Quintela, SERNANCELHE, VISEU
Narrative
When
15 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography