APL 1453 Da milagrosa Imagem de nossa Senhora da Oliveira do lugar de Matacaens
Imagem de Nossa Senhora aparece num enorme oliveira enxertada de azinheira, e desaparece logo que tentam agarrá-la para a levar para a igreja. As pessoas consideram que a oliveira é santa e curativa, constroem uma capela junto a ela, onde colocam uma imagem de pedra. A partir de então deixa de haver aparição da Senhora. A árvore, que desfolham e a que tiram os ramos, vai-se enfraquecendo (embora as azeitonas ainda cheguem para acender a lamparina da imagem da capela). Quando um eremita enfim a corta pela raiz, o culto desvanece-se. O eremita parece ter sido castigado com um fim de vida desgraçado e arrependido.
“É Maria Santíssima uma oliveira nos campos, patente a todos” (200) […]
(201) No termo da referida villa de Torres Vedras, em distância de meia légua para a parte do Nascente se vê a Povoação de Matacães, cuja Paróquia é dedicada a N. Sª da Oliveira, que em outros tempos foi Santuário de grande devoção, e muito frequentado dos fieis, cujos princípios referiremos agora. Nos tempos mais antigos havia neste sítio, em que depois se fundou o lugar, uma Ermida dedicada ao Espírito Santo, e junto a ela um pequeno rossio, em que se via uma única oliveira para a parte do Norte, que é sítio mais eminente, e aonde hoje se vê, e havia umas poucas e muito limitadas casinhas, em que viviam uns pobres moradores. A esta pequena e pobre Aldeia davam o título da mesma Ermida, e assim a denominavam o lugar do Espírito Santo. O lugar e a Paróquia.
Neste tal rossio estava a oliveira referida, a qual era enxertada em um zambujeiro, e assim fazia um corpulento tronco. Sucedeu pois que nesta tal árvore [cerca de 1500] aparecesse a Mãe de Deus, e Mãe de misericórdia, que como é toda misericórdia para os pecadores, sobre uma oliveira símbolo dela se havia de manifestar para nos encher de suas misericórdias, e aquele a quem se manifestou seria algum cândido e singelo aldeão. O que a Senhora lhe ordenou já hoje não consta; mas refere a tradição que fora ele logo a dar parte da sua grande dita, que por seu meio também gozaram do mesmo favor da Senhora; e estes foram dar parte ao Pároco e Beneficiados da Igreja de São Miguel, uma das Paróquias da referida Vila; e vindo estes com uma grande multidão de povo, que se juntou para gozarem da (202) vista da Senhora, dos quais ainda alguns (ainda que poucos) dos que chegaram junto à oliveira gozaram da vista daquela soberana Senhora, os quais querendo de mais perto gozar da formosa vista daquela soberana Imperatriz da Glória, julgando que lhes seria fácil tirá-la daquela árvore, ela desapareceu, e se ausentou do lugar em que a viram.
Ficaram todos com grande sentimento de não possuírem tão inestimável tesouro, e refere a tradição que se recolheram todos muito tristes; mas passados alguns dias, segunda vez se tornou a manifestar a Senhora em a mesma árvore, e feita a mesma diligência, foram anunciar ao seu Pároco e mais Clérigos em como a Senhora tornava a aparecer em a oliveira: com esta notícia vieram logo, e muito maior concurso de povo, e chegando ao sítio desapareceu a Senhora. Destas manifestações e destas fugas vieram a discorrer os de maior capacidade, que o eleger a Senhora aquele sítio, desaparecer e tornar a manifestar-se outra vez nele, e desaparecer também, era insinuar-lhes de que ela havia escolhido aquele sítio, e que nele queria ser servida e venerada para consolação e remédio de todos, e assim assentaram que naquele mesmo lugar se lhe edificasse casa. Concorreram logo para isso algumas esmolas, e a Senhora os moveria a que largamente ajudassem à obra, e também ela os foi confirmando com as muitas maravilhas, que logo começou a obrar; porque com as folhas da oliveira, e com os cavaquinhos que tiravam do tronco, saravam todos os enfermos, de qualquer enfermidade, que padeciam, e uns com as folhas, e outros com as raspas do pau lançadas em água, que bebiam, experimentavam ser aquele remédio um precioso colírio e antídoto de todos os males; e como viam que a Senhora, que havia aparecido na oliveira, desaparecera, logo que deram princípio à nova Ermida, vendo que não tinham Imagem para colocar nela, mandaram fazer uma formada em pedra, a qual depois de feita, e pintada com toda a perfeição, a colocaram (203) na sua Capela maior daquela nova e primeira Ermida.
Eram neste tempo muito grandes os concursos de romagens dos povos, circunvizinhos e distantes; porque todos em seus trabalhos e enfermidades recorriam àquela Senhora, e ela como misericordiosa Mãe a todos remediava. Com ela grande frequência se foram aumentando e crescendo as casas, com que se veio a fazer ali uma grande povoação, à qual deram o título do lugar de Nossa Senhora da Oliveira. Desta árvore, como fica dito, tiravam lascas e cavacos, que se não contentavam só com as folhas, e como não havia quem se lhe opusesse à grande devoção com que todos o faziam, nem advertisse em que a destruíam, veio (sendo uma árvore tão grande) a ficar em tal estado, que ficou da grossura de pouco mais de um braço o seu tronco, porque cortavam todos até à altura aonde podiam chegar; e sobre tão débil e fraco fundamento se sustentava a grande máquina de seus ramos; e era para admirar que ainda assim dava tanto fruto todos os anos, que dele se fazia o azeite que era necessário para a lâmpada da Senhora.
Dizem também que entre uns ramos desta oliveira, puseram o primeiro sino daquela igreja, e que neles se conservara por muito tempo que seria enquanto se não fez o campanário da mesma igreja; porque depois que esta se acabou de todo, que seria a segunda, então nele a puseram, como hoje se vê, e nem este então seria muito grande. A árvore ainda naquela forma frutificava todos os anos abundantemente, até que um indiscreto e rústico Ermitão a cortou em uma noite; ao qual, repreendendo-o porque assim o fizera, respondeu: que no estado em que estava, já não podia conservar-se tão grande peso em fundamentos tão débeis; mas ele pagou a pena da sua ambição e desatino de a cortar para a queimar; porque em espaço de um mês foram tais e tão grandes os seus trabalhos, e dos seus parentes que concorreriam (204) talvez com o conselho, que eles se viram pobríssimos, e o Ermitão em breve acabou a vida, bem pesaroso e reconhecido do mal que havia feito: com o corte da árvore começou a diminuir, e afrouxar aquele grande concurso das romagens, e a ir esfriando a antiga devoção, até que se veio a acabar quase de todo. [continua até à p. 206, mas sem grande interesse]
- Source
- AGOSTINHO DE SANTA MARIA, Fr. Santuário Mariano Alcalá, Imperitura, 2007 [1711] , p.tomo VII, parte II, Ch. IV, pp. 200-206
- Place of collection
- Matacães, TORRES VEDRAS, LISBOA