APL 1467 Da Imagem de N. Senhora de Belém em Santa Clara

No tempo em que se reformou na regular observancia o Convento de Santa Clara de Lisboa, que foy pelos annos de 1529. pouco mais, pouco menos, sendo a sua fundaçaõ no de 1287. vivia em a mesma Cidade hum Clerigo de santa, & louvavel vida. Este servo de Deos ouvio em sonhos por tres noites repetidas, que lhe diziam fosse à praya de Belem (q’ naquelles tempos se chamava Restello) & que nella acharia hũa Imagem de nossa Senhora; & que a levasse ao Convento de Santa Clara, extra muros da mesma Cidade; porque alli queria ser venerada entre as Esposas de seu Santissimo Filho Jesus Cristo: & que por seu meyo, & intercessaõ se haviaõ de salvar muytas almas. Levantouse o devoto Clerigo, & por naõ ser ingrato ao favor que a Rainha dos Anjos lhe fazia, se foy às prayas de Restello, & nellas achou a preciosa conhca que o mar, sem duvida por senaõ achar digno de a poluir, havia posto branda, & suavemente sobre a area. Contente com o rico thesouro voltou para casa o virtuoso Sacerdote, & tratou logo de ir fazer entrega daquella rica joya da Santa Imagem às Religiosas: às quaes referio o sucesso, de que ellas ficáraõ muy contentes, & alegres; pois se viaõ visitadas, & favorecidas da Mãy de Deos, & muyto mais por mostrar a mesma Senhora satisfazerse da sua companhia; & elegelas a ellas entre as muytas Esposas, que o mesmo senhor tinha na mesma Cidade.
    Naõ sabiam as Religiosas aonde, & em que lugar collocariam aquella Santa Imagem da Senhora, que mais lhe agradasse; tentáram muytos, & ultimamente a collocáraõ em hum lugar aonde pudesse ser vista, & venerada de todas; puzeram-na em hum nicho, que ficava sobre a porta da entrada da escada que saye dos dormitorios para o coro: para que nesta passagem tivessem sempre lugar de a saudar, quando hiaõ, & quando vinhaõ. Collocada neste lugar, ficáraõ as Religiosas muy alegres: porèm na manhãa seguinte a acháraõ menos. Buscàraõ-na por todo o Convento; & ultimamente a foraõ descubrir em hum nicho, que ficava em hum dos angulos do Claustro (que he cemeterio das Freiras) no qual estavaõ duas Imagens, hũa de Sam Joseph, & outra de Santa Anna; no meyo dellas estava a Senhora. Entandèraõ as Religiosas, que alguem havia feito esta mudança; restituiraõ na outra vez ao primeiro lugar, & como delle a achassem menos segunda, & terceira vez, a fecháraõ com hum cadeado, para que dalli a naõ pudessem tirar (persudiaramse a q’ alguem o havia feito). Porèm como a achassem menos, & a grade fechada com o mesmo cadeado, desenganaraõse entaõ, julgando que a Senhora era a que senaõ pagava daquelle lugar: porque seria casa mayor, & que havia escolhido o lugar do Claustro.        
    A vista desta maravilha procuráram as Religiosas de mandar romper o nicho atè baixo, & fazer nelle hũa Capelinha no grosso da parede, naõ se persuadindo podia haver lugar para mais; para que pudesse estar nella a millagrosa Imagem com mais decencia, & veneraçaõ. Ao romper se achou hũa casa grande, q’ alli estava, sem que as Religiosas tivessem noticia della: & examinando depois, que casa era aquella, & a razaõ de estar tapada, acháraõ hũa tradiçaõ nas mais antigas, que ouvera naquella Convento doenças contagiosas, & que naquella casa morrèra hũa religiosa daquele mal: & porque se naõ pegasse às outras, a tapáraõ de pedra, & cal. Acháraõ dentro sómente hũa dobadoura, instrumento proprio de Religiosas, que depois das occupaçoens de Maria aproveitaõ o tempo nos exercicios de Martha, fiando, & dobando. Havia naquella casa mais hũa escada de pedra, q’ parece tinha serventia para outra parte; mas tinha poucos degraos. Fica esta casa com as costas na Capella mor.
    Desta casa se fez hũa rica Capella, em que algũas Religiosas particulares tem dispendido muyta fazenda; nella està a Senhora com muyta veneraçaõ, & o seu Altar com muytos, & preciosos ornatos, & adornos. Teve sempre Ermitoas, que a serviaõ por sua devoçaõ. Hũa se nomea de grandes virtudes, da qual as outras Religiosas contaõ grandes cousas, & que o Menino Jesus, que a Senhora tem nos braços, lhe fallára. Os milagres que a Senhora faz, & tem feito, saõ innumeraveis, & assim he grande a devoçaõ que as Religiosas lhe tem, as quaes recorrem a esta sua amorosa Mãy, que sendo hum mar de graças, he juntamente a pscina de todos os remedios, & nella achaõ alivio, & consolaçaõ em todos os seus apertos, & necessidades.

Source
AGOSTINHO DE SANTA MARIA, Fr. Santuário Mariano Alcalá, Imperitura, 2007 [1711] , p.tomo I, parte I, Ch. XXVIII, pp. 161-164
Place of collection
Santa Maria De Belém, LISBOA, LISBOA
Narrative
When
1529
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography