APL 1236 O Pico Alto, o Negro e a Ilha de S. Miguel
Corria o século quinze. O capitão, ajudado por colonos vindo do Continente, da Madeira e escravos do Norte de Africa, tentavam fazer produzir a terra da ilha de Santa Maria. Todos trabalhavam afincadamente, mas os escravos eram obrigados a trabalhar à força.
Um deles, habituado à vida nómada da selva, resolveu certo dia desertar, pensando encontrar caça suficiente que lhe permitisse viver como se estivesse em Africa.
Refugiou-se nos matos, procurou caça e aí foi vivendo com dificuldade. Por lá se demorou largo tempo, ora subindo as íngremes encostas, na esperança de encontrar melhor caça, ora parando para apanhar algum animal. Por fim atingiu o cimo da serra, o Pico Alto, a uma altura de cerca de quinhentos e noventa metros e aí se deliciou com a beleza da paisagem, toda coberta de verdura a contrastar com o azul do mar que se estendia a toda a volta. O trabalho agora era pouco e o negro passava longas horas deitado, olhando o horizonte.
O pico não tinha grandes madeiras como tem agora e o escravo fugido começou a aperceber-se de que, a norte, havia sempre uma nuvem muito grande, rente ao mar e que nunca se mexia, o que não acontecia com as restantes. Um dia muito aberto viu a ilha claramente e começou a pensar que tinha descoberto uma outra ilha muito maior do que a de Santa Maria.
Ficou animado com esta ideia e, já cansado de estar sozinho e da falta de alimentos, aproveitou a ideia de ter avistado uma nova ilha para voltar à povoação, pensando que assim não seria castigado por deserção. Procurou o seu senhor e deu-lhe a boa nova.
O senhor ficou satisfeito e partiram alguns homens. Na verdade outra ilha, a ilha de S. Miguel, avistada pelo negro, foi encontrada, mas do escravo negro que a descobriu nunca mais se falou.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.55
- Place of collection
- VILA DO PORTO, ILHA DE SANTA MARIA (AÇORES)