APL 1387 A ilha encantada perto do Morrocão

Minha avó contava que numa manhã de S. João a tia Pereira, que morava na Feteira de Cima, quase ao pé do cruzamento que dá para a Feteira de Baixo, levantou-se cedo, enjeirou-se de pote à cabeça, para ir buscar água ao poço de maré que ficava no Canto da Baía. Não se ouvia ainda falar em água canalizada e, então nesta parte do Pico, a água era muito escassa. Por isso escavavam-se poços no chão, muito próximo do mar, a que chamavam poços de maré porque tinham a ver com a subida e descida das marés.
 Quando chegou, a tia Pereira foi descendo e subindo o balde até que encheu o pote de água. Pô-lo à cabeça e subiu a canada pedregulhenta e a pique que dava para o caminho corrente. Chegando aí, botou o pote de água sobre a parede para descansar, pois estava estafada e voltou-se para o mar, para os lados do Morrocão.
 Ao poisar os olhos na água, ficou espantada com o que viu: uma ilha estendia-se no mar, tão próxima que se podiam ver bem os campos de trigo e centeio, já quase maduros e a mexer com o vento manso da manhã de Junho.
 A tia Pereira tava morta com o que lhe tinha assucedido. Ela era uma mulher de aldância, mas não sabia o que havia de fazer. Virou a cabeça para o lado do caminho para ver se lobrigava alguém que também tivesse presenciado a visão, mas não havia alma viva por ali. Ainda nervosa, voltou-se de novo para o mar para melhor apreciar a ilha. Mas, como por artes, já nada de estranho viu: apenas a Ponta do Morrocão, negra como sempre, e o mar, liso como um espelho, tinha um brilho amarelado do sol que nascia para os lados da Ponta da Feteira.
 A tia Pereira nesse dia não tirou mais os olhos do mar, mas nunca mais lobrigou a ilha. Muitos outros anos, na manhã de S. João, se pôs a vigiar para o mar, a ver se via o lugar onde vive encantado o rei D. Sebastião, mas isso nunca mais aconteceu. Outras pessoas da Calheta já viram esse lugar que só pode ser visto a determinada hora da manhã de S. João e por alguém que não olhe para o mar propositadamente. Se um padre tivesse tido a sorte de ver a ilha e a tivesse baptizado, ela ficava desencantada, mas outra ilha de nome fêmeo desaparecia. Como isso nunca acontece a ilha lá continua encantada à espera de alguém que a desencante.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.230
Place of collection
Calheta De Nesquim, LAJES DO PICO, ILHA DO PICO (AÇORES)
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography