APL 3440 Senhora das Neves (2)

Justo orgulho podem ter os habitantes do logar de Paço e da freguezia de Aguas Santas emprestarem culto á Virgem Santissima, com o titulo de Guadalupe, na Ermida que alli existe, levantada em sua veneração e louvor. A sua origem é um novo realce do poder de Maria, e um padrão immorredouro da sua protecção.

    A sua lenda é a seguinte:
    Um homem do logar de Paço, foi accusado de haver commettido um assassinato. Sendo procurado pela justiça e pelos parentes do morto, que n’elle queriam vingar aquelle crime, viu-se obrigado a deixar a sua terra natal e a buscar asylo em terra estranha. Retirou-se para Hespanha, a um logar proximo ao santuario de Guadalupe. Como os homens se voltavam contra elle, voltou-se para o céo e implorou o seu soccorro, por meio da Rainha dos Anjos, a Senhora de Guadalupe, que tanto poder tinha deante do tribunal divino, e que tão grandes prodigios obrava junto do seu retiro.
    No meio das suas angustias, prometteu á Virgem Santissima, que, se tornando ao seu paiz, não encontrasse perseguidores, e se mostrasse sem culpa no crime imputado, promoveria o seu culto e obsequios, erigindo um templo á sua honra, com o titulo de Guadalupe, e que alli a serviria em todo o tempo restante da sua vida.
    Firmemente confiado no patrocinio da Virgem, regressou, passados annos, á sua patria, ao lagar de Paço, e no caminho lhe appareceu a poderosa Senhora, que lhe disse:
«Vae, não temas; porque eu serei comtigo».
    Chegou, com effeito, ao logar de Paço. Não houve quem o culpasse, sendo geralmente reconhecida a sua innocencia, apesar de lhe ser instaurado um processo.
    Grato á sua amavel e augusta bemfeitora, curou immediatamente de cumprir o voto que lhe tinha feito, erigindo uma pequena Ermida á Senhora de Guadalupe.
    O piedoso servo da Senhora aqui viveu juncto do oratorio que fundara, como ermitão, contemplando as coisas do céo e servindo a Rainha dos Anjos, sendo o sitio, então solitario, proprio para a meditação e recolhimento do espirito; e acabou os seus dias santamente.
    Eram tantos os milagres que começou a obrar a Senhora em o novo santuario, que de todas as partes concorria immenso povo, e, segundo testifica D. Rodrigo da Cunha, bispo do Porto, já em 1623 era muito frequentada esta ermida, de romeiros que alli vinham visitar e venerar a Senhora de Guadalupe.

Source
PINHO LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Portugal Antigo e Moderno Lisbon, Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo IX, p. 130
Place of collection
Águas Santas, MAIA, PORTO
Narrative
When
17 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography