APL 3496 Nossa Senhora dos Açores
Ali muito perto de Celorico da Beira, na aldeia de Açores, existe uma antiga e bela igreja gótica que tem por patrona Nossa Senhora dos Açores. Lá dentro, três antigos retábulos rememoram milagres, os que vou contar e o povo guardou na primitiva ermida, que construiu, e um rei comemorou na igreja que sobre ela erigiu.
Um dia, andava um pastor a pastorear as suas vacas, quando uma delas se tresmalhou e caiu a uma lagoa. Atirou-se o homem à água, sem pensar que não sabia nadar, para tentar recuperar o animal. Aflito, em riscos de se afogar, suplicou veemente o auxílio da Virgem, e tanta fé pôs no seu pedido que Nossa Senhora apareceu-lhe, salvando-o a ele e à vaca.
Radiante e agradecido à Senhora, que o salvara, correu o pastor à aldeia a contar o milagre, e o povo imediatamente acorreu ao local, com a ingenuidade e credulidade que é seu apanágio. Segundo conta a lenda, no local do salvamento miraculoso, semiescondida entre silvas, encontraram uma pequena imagem da Virgem. E, para guardarem a imagem e perpetuarem o milagre, ergueram ali uma pequena ermida.
Em pouco tempo, local e ermida tornaram-se ponto concorrido da região, porque muitas foram as mercês e milagres operados pela imagem devota. Tão longe foi a sua fama que chegou a terras de Espanha.
Reinava então em Espanha um rei desesperado. Casado há muito tempo, não conseguia a dádiva de um filho que o perpetuasse como homem e o continuasse como rei. Assim, cheio de fé, no seu palácio, implorou à Virgem daquela aldeia longínqua de Portugal a benesse de um herdeiro. E também a ele a Virgem concedeu a mercê pedida, só que — sabe-se lá por que pecado antigo — a criança nasceu aleijada e extremamente fraca.
No meio da imensa alegria pelo filho nascido, o aguilhão de dor provocado pela enfermidade da criança não fez esmorecer a fé daqueles reis. Pegando no menino recém-nascido, iniciaram uma romagem, morosa e dolorosa, à ermida da Nossa Senhora das suas devoções. Iam agradecer o herdeiro e suplicar remédio para a doença daquela criança, sua esperança, esperança do reino.
Durante a viagem, porém, a criança, que era tão fraca, morreu. Quiseram tirar o corpito dos braços da rainha, mas ela, cheia de fé, continuou a sua jornada com o filho nos braços: tinha prometido a Nossa Senhora que só a Ela o entregaria.
Chegada a comitiva à ermida, armou-se o acampamento real. A rainha foi logo depor o corpo do infante no altar da Virgem, enquanto o rei ficava dando ordens pará que se fizessem as exéquias.
Sucedeu, entretanto, que o monteiro do rei, transgredindo as ordens, soltou o seu açor. Num segundo, a bela ave sulcava os céus em liberdade, voando para longe, para o alto dos penhascos, de onde jamais voliaria sem dúvida. O rei, furioso, ordenou que cortassem o braço do monteiro transgressor.
Este, por sua vez, convicto da sua falta, implorou protecção à Virgem, arrependido sinceramente do acto irreflectido. Perante a sua fé simples, a Virgem não faz esperar a resposta: inverte o voo ao açor, que, descendo em cfrculos, vem pousar na mão que ia ser cortada, renunciando à liberdade que ansiara.
Ao mesmo tempo, dentro da ermida onde a rainha velava o corpo de infante, uma luz desceu sobre a criança, que, abrindo os olhos, sorriu à sua volta, tornando à vida, livre do defeito com que nascera. A um grito da rainha, o rei, que observava
o insólito facto do retorno do açor, entrou correndo na ermida, a tempo de presenciar os primeiros vagidos de seu filho.
Louco de alegria, o rei ali mesmo prometeu erguer uma igreja mais digna da miraculosa Senhora. Deste modo se construiu a igreja hoje existente, e que, em memória do duplo milagre, ficou a chamar-se de Nossa Senhora dos Açores.
- Source
- FRAZÃO, Fernanda Passinhos de Nossa Senhora - Lendário Mariano Lisbon, Apenas Livros, 2006 , p.68-70
- Place of collection
- Açores, CELORICO DA BEIRA, GUARDA
- Collector
- Américo Costa (M)