APL 126 Lenda das Amendoeiras em Flor
Era uma vez, há muitos e muitos séculos, antes de Portugal ter nascido para a história do mundo...Era no tempo em que o Al-Gharb pertencia completamente aos árabes ou Mouros, que reinava o audaz Ibne-Almundim, o famoso valido de Allah, porque nunca sofrera uma derrota e o mais temido dos reis mouros do seu tempo.
Ora num dia, entre muitos outros de golpes, feridas e mortes, aconteceu vislumbrar esta figura de actos heróicos uma linda princesa muito loura, de olhos azuis e de porte altivo. Gilda era o nome desta criatura de rutilante beleza que para sempre prendeu a atenção do rei árabe, mas de princesa do Norte ele a chamaria. Não obstante, a sua beleza fulgurante, esta não ofuscava a personalidade bem marcada da ismaelita que não se mostrava com medo, fascinada ou porventura emocionada com o rei mouro, mas sim com uma aguda consciência de que era sua prisioneira ou escrava. Nunca se esquecendo da sua condição, repetia-a ao rei mouro, frisando sempre a relação de obediência que a unia a ele.
Cansado de ter a sua amada desta forma tão pouco natural e espontânea, lbne-Almundim solta-a e dá-lhe liberdade para ela ir onde quiser e fazer tudo quanto lhe apeteça. Um sorriso de gratidão, simpatia e confiança foi a resposta de Gilda ao seu desejo mais íntimo. Todavia, a reacção da bela princesa a este acto inesperado foi bem contrária à de o rei mouro que de rei alegre, bom vivã, poderoso e invencível passou a andar sombrio, sorumbático e com demoradas crises de mau humor. Havia um pensamento que não só limitava a sua força e espírito de herói como o sufocava e oprimia: era o desejo, a necessidade de voltar a ver Gilda, de lhe falar, de a ouvir...Deixando-se vencer pela paixão, Ibne-Almundim foi ter com Gilda e revelou-se-lhe como ninguém o conhecia, despido da fama, do dinheiro, dó respeito, medo ou inveja e envolvido num tom de voz doce e meigo. Perante o pedido do rei árabe para ela ser sua mulher, Gilda rendeu-se às suas palavras e festa de grande aparato logo ocorreu, com gente de todos os lados, preciosas oferendas, trovadores e músicos de terra distantes, bailarinas de corpos ondulantes que espalhavam magia pelo ar...
Mas foi precisamente no meio da festa do último dia que lbne-Almuindim deu pela falta de Gilda e sem hesitar a foi procurar e encontrar doente, quase morta, ainda mais branca do que habitualmente e inundada em lágrimas. Tentando responder às perguntas do seu amado e sossegar o seu espírito, Gilda não consegue, custa-lhe a falar, sente que vai morrer e não percebe por que ficou assim mergulhada numa prostração, deixando de ouvir as palavras, súplicas ou lágrimas de lbne-Almundim.
Em pânico e completamente desorientado, o jovem árabe reúne no palácio todos os sábios do reino, mas nenhum lhe disse o que o seus ouvidos queriam ouvir. Vencido pela primeira vez na vida, e já sem esperança, o rei recebe a visita de um velho prisioneiro também das terras do Norte, antigo súbdito do pai de Gilda que lhe queria falar. Este homem velho não era um sábio, mas um poeta e afirma que lhe vai revelar a causa da doença da jovem e bela princesa não porque ele mereça, mas por os olhos, voltou a sorrir e voltou a falar, o velho vate diz-lhe que esta tem cura. Ouvindo a conversa de ambos, Ibne-Almundim conduz o ancião até ao terraço e este confessa-lhe que a doença de Gilda é a nostalgia, ou seja, que a bela princesa tem saudades da neve do seu pais distante que naquela altura do ano enfeita de branco os campos e as terras até onde os olhos conseguem alcançar. Estupefacto, mas já alimentado de esperança, o rei sarraceno não hesita quando o velho poeta lhe diz que ele só precisa de plantar, em todo o seu reino, e muito especialmente ali diante do palácio muitas amendoeiras porque estas, ao florirem, darão a ideia de neve aos olhos saudosos da princesa e ela curar-se-á. Assim foi feito e assim aconteceu, pelo que a alegria da princesa voltou a inundar o palácio e a beleza das amendoeiras começou a enfeitar as terras do Algarve.
- Source
- AA. VV., - Lendas e Gastronomia Olhanenses Olhao, Ensino Recorrente e Educação Extra-Escolar / Coord. Concelhia de Olhão, 2002 , p.1-2
- Place of collection
- OLHÃO, FARO