APL 1187 Os espíritos
Outra superstição, ainda hoje muito arreigada nesta freguesia, é a da crença nos espíritos de pessoas de família, em geral, e de estranhos, por vezes, que morreram e dizem vaguear pelo mundo por não terem cumprido determinada promessa ou por qualquer maldade que fizeram enquanto vivos, como roubos, dívidas, deixar um filho deserdado, etc.
Algumas promessas eram «pedidas», isto é, as famílias tinham de pedir dinheiro a várias pessoas, para, com ele, as poderem cumprir.
Atribuem um determinado espírito aos epilépticos e doentes de alcoolismo, mentais e nervosos, nos quais julgam ter incarnado, para comunicarem qualquer segredo ou pedirem que os livrem daquele penar, cumprindo promessas ou deveres a que o defunto faltou em vida, e que o impedem de entrar no Céu.
São as chamadas «almas penadas» que vagueiam pelo mundo.
Julgam também que os espíritos dão sinal de si por meio de barulhos (provocados, em geral, por ratos ou aves, nos sobrados e por pancadas em latas mais ou menos ruidosas causadas pelo vento, pelos ratos, gatos, aves ou ainda por vizinhos ou familiares que os queiram assustar).
Quando fazem grandes ruídos, batendo nos sobrados, acreditam que seja porque essa alma deixou dinheiro enterrado.
Os bentos, ou benzilhões, ou quaisquer homens, ou mulheres que saibam «requerê-los», chamados para falarem com o espírito, lá vão interrogá-lo, recusando-se este, por vezes, a responder. Então é preciso «requerê-lo» para que ele diga onde se encontra o tesouro ou comunique o que pretende.
Estamos convencidos de que alguns destes «intérpretes de espíritos» são ventríloquos, enganando, por isso, muito facilmente os pobres ignorantes assistentes, com as suas duas vozes distintas a perguntar e a responder, enquanto doente não dá acordo de si.
Assim estes homens e mulheres ganham a vida, enquanto vão entretendo os doentes, obrigando-os a pagamentos de promessas e sujeitando os a rezas, benzeduras, etc, evitando, desta maneira, que eles procurem os médicos especialistas, a quem, por vezes, acorrem já tarde demais.
Pode também acontecer serem ventríloquos os próprios doentes, tendo assim a faculdade de falarem com a voz abafada, sem mexerem os lábios, dando a ideia de se tratar de outra pessoa, o tal «espírito».
- Source
- RODRIGUES, Maria da Ascensão Carvalho Ferro, Cova da Beira Covilhã, Edição do Autor, 1982 , p.129-130
- Place of collection
- Ferro, COVILHÃ, CASTELO BRANCO