APL 449 O Jasuíta
Havia um homa que vivia num coléjo. Dêxou morrer dois companhêros sim os últemos sacramentos. Morreu e Noss’Senhôr no le pôde dar o Céu. O Senhôr mandou-o pr’àquele convento a fazer penetênxa duzentos anos. No fim de duzentos anos a casa foi desabetéda. Caiu, e a ingreija tamém. Ô fim de cem anos foram na comprar esse terreno pra habetérem nele. Ôdepoi da casa pronta foram pra lá. Logo à promêra noite que drumiram a criéda tinha atão o quarto im bolta do corredor. A ma certa hora da noite a criéda dou rezão de passar um homa de luto e d’abrir os cancelões que já stavam inferrujédos mas abri-os sim cust’algum. Teve tal medo que pediu à patroa pra s’ir imbora. A patroa précurou-le proque era que s’ia imbora. Mas ela no quis dezer. A patroa prêcurou outra criéda. Pla noite adiente aconteceu a mesma cousa. A criéda pedi contas. Ninhuma quis dezer proqu’era que safam. A patroa prêcurou outra criéda. A criéda tchegou à noite e aconteceu-se-l’ mesma cousa. Ô outro dia despedi-se.
— Quer que voeemecêi me diga proque se vai imbora. Ê no as trato mal e diga-me o motivo.
Ela no queria contar mas tanto a apartou que contou:
— Saba, senhôra, que a mas tantas horas da noite, pass’àqui um homa de preto e tchega à cancelão e abre-o sim cust’algum.
— Agora quer’ê tomar conta disso. À noite vou ê pra lá a drumir.
A patroa foi. Tchegou-se às mesmas horas e a patroa no dou rezão.
— Vês como nada disso é vardade? A mim no se me passou nada. Mas a senhôra torne a ir pra lá e no se dêxe drumir.
Pla noite adiente a patroa já dou conta; sintiu abrir o cancelão e intrar e tchegou-se à pé do homa. Stava de joelhos a fazer òração.
— Atão homa qu’é isto?
— Ê há duzentos anos qu’aqui habetei tratando de jasuitas e companhêros. Deixei morrer dois sim os últemos sacramentos.
— Atão o que é que tu queres qu’ê te faça?
— Aonde hòver duas criaturas im p’rigo de morte fazê-las confessar.
A mulher já no tratou de mai nada. Õdepoi que se confessaram asquelas criaturas tchegou-se à noite e passou o mesmo homa e introu plo cancelão. A mulher foi, viu atão im grandes festas tudo ilumenédo e vei o homa agradecer-le que já le tinha aberto as portas do Céu.
— Mil vezes l’agradeço im nome do Senhôr Dês que le faça à su alma o qu’a senhôra me fez a mim.
- Source
- BUESCU, Maria Leonor Carvalhão Monsanto, Etnografia e Linguagem Lisbon, Editorial Presença, 1984 [1958] , p.132
- Place of collection
- Monsanto, IDANHA-A-NOVA, CASTELO BRANCO
- Informant
- Antónia Zefa (F), Monsanto (IDANHA-A-NOVA),