APL 694 A Moura Lavandeira
Arcos-de-Valdevez. Uma villa brinquedo. Povoação de presépio. Cinge-a o Vez com a serenidade apaixonada e quieta de namorado confiante. Em volta, o arvoredo aperta-a numa clareira; aberta para a gente respirar melhor, direitinho ao ceo.
Ha por alli bastas riquezas escondidas, como se não fossem bastantes as que estão á vista!
Num monte proximo viveram os Mouros. Ahi então as riquezas, que por lá existem enterradas, nem se calculam. E’ lá possivel calculá-las! Era mais facil contar as estrellas do ceo.
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Foram procurar esses thesouros certo dia uns homens, que punham todo o brio em os descobrir. Fartaram-se de cavar. Cavavam, cavavam a bom cavador. Num momento asado, era necessario que dissessem — Arre, Diabo. Assim sucedeu.
— Arre, Diabo, — gritou um, com o impeto de quem estava farto de cavar e desiliudido nos resultados promettidos.
Immediatamente, como se tivessem tocado em mola occulta, abriu-se ruidosamente um alçapão, fechado por grandes lages, e patenteou-se o subterraneo, carregado de riquezas, que brilhavam no ouro e nas joias.
— Ai, Jesus ! — gritou alguem de entre o grupo de cavadores, levado pelo susto, que lhe produziu o aspecto de tamanhos thesouros.
Tremeu a terra com tal violencia, que todos cahiram no chão. Quando se ergueram, o alçapão eslava fechado, e nenhum indicio havia de ele. Nem diria alguem que se cavára naquelle logar. Encontraram o chão como estava, quando para lá foram em busca do thesouro e principiaram a cavar.
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Lá do monte vem parar cá ao fundo dois caminhos subterraneos. Ambos partem do fundo de seu poço um vae dar ao rio Vez, o outro ao rio de Cabreiro. Por ahi passavam os Mouros, e andam agora as mouras encantadas.
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Ha por ali uma fonte de fama, onde apparece uma de essas mouras. Vae lavar na agua clara as roupas brancas, não se sabe de quem. Ninguem a viu em dias de sua vida. Ouvem-na cantar, como fazem as lavadeiras, de pernas ao léo, nos rios da nossa terra; ouvem tambem bater a roupa na pedra. Vê-se de longe a roupa no estendal de cordas a seccar, e outra no chão sobre a herva ou sobre o matto a còrar.
Ninguem se atreve a ir vêr de perto a moura, não só pelo medo que faz, mas principalmente porque andam pelo ar viboras com asas, que guardam aquelles sitios, e até ás vezes andam a voar de monte em monte, atacando as vaccas no pasto e sugando-lhes o leite.
Na manhã de S. João é que ella canta melhor. Passa-a constantemente a cantar, e lava toda a santa madrugada a roupa, que estende ás horvalhadas, e de longe parece um bando de cysnes em descanso.
Por isso talvez, as meças cantam a dansar nas fogueiras:
Na noite de S. João
Ouvi cantar a sereia
Já de mim não fazes caso,
Porque dizes que sou feia.
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Ora, uma vez, ia uma mulher de uma a outra aldeia, e teve de passar pelo cabeço onde a moura andava. Não viu, nem ouviu nada.
Não tinha nascido o sol. Era linda a manhã. Uns restos do luar da noite juntavam-se ás claridades suaves da manhã, dando á natureza uma luz de templo.
De repente, a mulher encontrou o estendal de roupa. Continuava a não vêr ninguem. A roupa tão branca e fresca, em aquelle ar perfumado pelas estevas e pelos carrascos rudes, era um apetite. Estava de tentar.
Com algum receio, a mulher ergueu a mão mesmo do caminho, que trilhava, e tirou do estendal a primeira peça de roupa, ao seu alcance. Viu que era a camisa, pequenina e enfeitada, de uma creança, e levou-a, muito contente de ter assim a recordação de um sitio, tão temido àquellas horas.
Não seria facil porém a empreza, ainda assim. Afastava-se depressa.
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Chegava ao fim do estendal, quando ouviu grande barulho atrás de si. Pareceu-lhe que sentia o galopar de um cavallo ou de um touro ameaçador. Logo calculou que tudo aquillo era aviso e ameaça para ella. Sem voltar cabeça, tamanho foi o susto, deixou cahir a camisinha de creança, e correu a bom correr, monte abaixo, só parando quando se metteu em casa e deu por segura.
- Source
- CHAVES, Luis Lendas de Portugal: Contos de Mouras Encantadas Lisbon, Livraria Universal, 1924 , p.203-207
- Place of collection
- ARCOS DE VALDEVEZ, VIANA DO CASTELO