APL 1726 O Homem Grande
Habia um grupo de dez a doze rapazes a estudar aqui. Tínhamos um status quo que nos deixabam fazer tudo.
Quando chegasse a altura das ubas, os nossos pais mandabam-nos guardar as ubas, porque nos fins dos anos 50 a fome era muita e as pessoas iam às binhas roubar as ubas.
Nós queríamos andar na farra e da parte da tarde ir guardar as ubas não nos calhaba nada bem.
Então, eu resolbi inbentar um fantasma que era feito de um cabalo e, por cima do cabalo, duas tábuas em cruz, uma cabeça, lençóis de cima ao fundo a tapar quase todo o cabalo. E à meia-noite dabamos a nossa reboada pela poboação.
É claro que na altura não habia alcatrão, era tudo paralelepípedo e macadame. O cabalo tinha ferradura e quando nós o fizéssemos correr pelas ruas, as ferraduras, batendo no paralelo, faiscabam. Então, as pessoas quando bissem um fantasma enorme a fazer lume diziam:
- Atenção que é o diabo!
Mas o pobo começou a andar em pânico, às quatro, cinco horas da tarde tudo binha p’ra casa, tinham medo de andar e ninguém roubaba uba.
No entanto, apareceu aí um moço que binha cá passar férias, mas que estaba em Lisboa e tinha a mania que era lisboeta e que não tinha medo a nada disso.
Estaba-nos a querer tirar o crédito!
Ele andaba de pistola. Então, serbimo-nos de um dos membros que era primo dele.
- Eh pá, bai a casa e abafa-lhe a pistola, traz munições e tudo!
Ele foi a casa dos tios, onde o rapaz ia passar as férias, como era primo, traz-nos a pistola e as munições.
Tirei-lhe as munições, tirei-lhe o (…) da pistola, tirei as balas do projéctil e metemos a bala sem projéctil.
- Agora bai tornar a pô-la.
À meia-noite, os outros lá troxeram o moço na estrada principal e disseram:
- Aparece mais ou menos lá diante, à meia-noite.
Ele lá ia com os outros. A certa altura disseram-lhe:
- Se tu num tens medo, fica tu sozinho, que nós temos! A esta hora aparece.
E fugiram todos e deixaram-no sozinho.
Entretanto deram uma apitadela e binhamos nós co cabalo.
E ele enfrentou-o e quando ele binha a sete, oito metros, pega na pistola e começa a disparar. Aquilo só cheiraba ó fulminante. Trás, trás…
Ele quando biu que num daba, deitou a pistola fora e corre à nossa frente até metê-lo em casa.
Pronto, estaba o serbiço feito.
Fizemos tudo, arrumamos tudo e biemos procurar a pistola. Vimo-la e encondemo-la. Fomos bater à porta dele:
- Então?
- A minha pistola, quero a minha pistola!
Fomos então procurar a pistola. Nós sabíamos onde estaba, quando achamos por bem, fomos buscá-la.
-Está aqui!
Mas entretanto já a tínhamos enchido de balas berdadeiras. E quando o outro saiu foi logo arrumar as munições em casa dele.
Ele lá foi e pega nela.
- Esta donzela…
Descarregou a pistola toda.
- Beja bem, até a pistola falha perante o Homem Grande.
Entretanto, outra noite, havia um senhor que me tinha pregado uma partida quando eu era pequeno. Fomos à porta dele e então paramos o cabalo e com a mão (a tábua) batemos na janela.
(Na cabeça o cabalo tinha duas lâmpadas e à bolta celofane bermelho.)
O senhor abre e ficou assustado. Picamos o cabalo, o cabalo deu um salto e bate-lhe em cheio na cara. O senhor tinha lá um cântaro de barro e ainda nos atirou com ele, mas nós já íamos longe.
Então, ao outro dia, ele tinha a cara toda pisada da bofetada e dizia:
- Tem mãos de ferro, o Homem Grande tem mãos de ferro e pés de ferro. No chão, os pés fazem fogo.
Foi outra testemunha que tinha bisto.
Uma terceira pessoa que biu o Homem Grande foi uma senhora que tinha uma quinta em Promedeu e então binha chamar uns senhores à meia-noite.
Quando ia p’ra casa, tebe a pouca sorte de ir à meia-noite e à meia-noite saímos nós. Cruzamo-nos com a senhora. A senhora biu o Homem Grande e começa:
- Ai, ai…
Desmaiou.
Comecei a reanimar a senhora.
- O que é que aconteceu?
- Ai, eu bi o Homem Grande.
- Biu nada!
- Eu bi, eu bi…
Já não bou trabalhar, já não saio mais de casa!
Outra testemunha que confirmaba o Homem Grande.
O pânico foi tão grande que até nos Anais do Brasil se dizia: “Anda aqui uma alma penada.”.
Acabou as bindimas e, bem, isto não pode continuar assim. O pobo está sob um terror maluco! Então comecei a dizer que não era homem nenhum, somos nós que fazemos isto, é com um cabalo.
Mas o pobo não acreditou. Então tibemos de fazer uma demonstração em pleno dia, fizemos tal e qual e juntamos a canalha toda e eles cantabam:
- Olha o Homem Grande olarilole,
Olha o Homem ai que grande ele é.
E corremos o pobo a fazer uma demonstração, porque o pobo estaba todo em pânico por causa da alma penada.
- Source
- AA. VV., - Literatura da tradição oral do concelho de Vila Real s/l, UTAD / Centro de Estudos de Letras (Projecto: Estudos de Produção Literária Transmontano-duriense),
- Place of collection
- Constantim, VILA REAL, VILA REAL
- Informant
- António Moura (M), 70 y.o., Constantim (VILA REAL),