APL 979 O ladrão de barbas

Há uns anos atrás, por volta de Maio, estava eu em casa a preparar a janta, quando me apareceu a senhora Rosalina, que era na altura a mulher mais rica da aldeia, muito preocupada:
Palmira, fecha as portas de casa, porque anda aí um ladrão.
Eu muito assustada, disse-lhe:
− Onde viste tu o ladrão?
E ela respondeu-me:
− Se não acreditas, vem comigo e logo verás, porque, se não é ladrão, é espia.
Então, eu fui por ali a cima e ouvi o povo a dizer:
− Para baixo ou para cima?
Assim que lá cheguei, encontrei um homenzinho com umas barbas enormes e brancas deitado no souto. Estava cansado e a única coisa que trazia era uma mochila.
Parecia mais morto que vivo. Tinham-no trazido da Lagoa e, quando ali chegou, não resistiu e deitou-se, porque não se aguentava em pé.
Ao ver o estado do homem, vieram-me as lágrimas aos olhos e perguntei-lhe:
− Estás com fome e sede?
E ele disse-me:
− Estou sim, minha senhora.
Assim que ele me respondeu, eu virei-me para as pessoas que lá estavam e disse-lhes:
– Então este é que é o ladrão? Tende piedade deste homem, que mal se aguenta em pé.
Alguns disseram-me para eu não acolher aquele homem, porque ele me podia roubar. Eu não acreditei e pedi-lhe para vir comigo. Assim que cheguei a casa, perguntei-lhe se aceitava uma tigela de sopa, porque era a única coisa que eu tinha.
Ele respondeu:
− Sim, aceito minha senhora.
Então, eu convidei-o a sentar-se num tronco dos pinheiros, pois na altura, como eu era pobre, não tinha bancos.
Assim que começou a comer, eu ainda lhe perguntei:
− Queres água?
E ele respondeu-me:
− Agora é bem-vinda.
Eu dei-lhe a água e ele agradeceu-me com ar satisfeito.
O homem estava esfomeado e eu, como não tinha mais comer para lhe dar, pedi à minha filha mais velha se não se importava de dispensar o arroz que estava a comer para dar ao homenzinho. Ela disse-me:
− Claro que não, minha mãe.
Peguei no prato da minha filha e dei-lho para comer. E ele todo contente aceitou.
Assim que terminou de comer, levantou-se, pediu-me para lhe dar mais água e disse-me:
– Seja a primeira esmola que a senhora encontre no céu e Deus nunca lhe há-de faltar.
Eu, muito admirada, deixei o homem sair, mas fui sempre atrás dele para ver para onde ia. Ainda hoje me lembro bem desse dia. Eu ia sempre atrás dele, sem ele dar conta. Mas a dada altura, ele desapareceu ali mesmo à minha frente. Eu nem queria acreditar e ainda hoje não percebo o que terá acontecido.
A única conclusão que tiro é que a minha vida, a partir daí, melhorou e até à data nada me faltou.

Source
AA. VV., - Literatura Portuguesa de Tradição Oral s/l, Projecto Vercial - Univ. Trás -os-Montes e Alto Douro, 2003 , p.CE1
Year
2002
Place of collection
Cumieira, SANTA MARTA DE PENAGUIÃO, VILA REAL
Collector
Neuza Maria Sequeira Pereira (F)
Informant
Palmira Alves (F), 77 y.o.,
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography