APL 1961 O Camponês e o Diabo

Havia em certa terra um homem que se gabava de ter tanto lume no ôlho que nem o próprio Diabo o enganava.
 Vinha ele uma vez a recolher do trabalho do campo, quando topou c’um bode. Pensou que andaria por ali esgarrado dalgum rebanho, e chamou-lhe seu. Pô-lo ás costas, cubriu-o c’o capote p’ra ninguem n-o ver, e lá foi andando c’o a carga como poude pela estrada fóra. E como o animal podia barregar, e ouvi-lo algum pastor que por ali andasse, ele ia antão a amimá-lo com festinhas e palavrinhas dôces. Mas lá em certa altura sentiu escorrer-lhe p’las uma coisa quente, e tanto, tanto, que dahi a nada estava encharcadinho de todo. Quando percebeu o que era, ficou fulo, e ainda mais quando o bode, que era o diabo em pessoa, lhe deu nas bochechas uma gargalhada de troça.
 Antão não teve mais mão em si; pegou nele, atirou-o por uma grande ribanceira abaixo que ali havia, e gritou-lhe:
 — Anda, diabo que t’arrebentei!
 Responde-lhe o diabo lá do fundo:
 — Também t’eu mijei!
 E foi assim que o diabo enganou o tal camponês esperto.

Source
MARTHA, Cardoso Folclore da Figueira da Foz Vol. II Esposende, Typographia de José da Silva Vieira, 1912 , p.165-166
Place of collection
FIGUEIRA DA FOZ, COIMBRA
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography