APL 2956 Rezas Trocadas (2)
Antigamente, no Pego, havia grandes searas de milho. Quando o milho estava seco, os lavradores convidavam muitas raparigas da aldeia e noite dentro (porque o calor do dia tornava esse trabalho mais difícil), faziam as descamisadas. Os rapazes, muitas vezes, seguiam as raparigas e normalmente o trabalho acabava em baile, cantado e dançado ao luar.
Certa noite, dois rapazes foram atrás das raparigas e a meio do caminho ouviram sinais de uma grande festa. O canto vinha de longe e os rapazes foram-se aproximando. Quando chegaram perto, viram que era um baile de bruxas. Um deles resolveu ir ao pé delas, mas o outro escondeu-se e resolveu assistir à festa do cimo de uma árvore.
Quando o rapaz chegou junto das bruxas, estas ficaram muito admiradas, pois não costumavam ter visitantes, mas depois convidaram-no para dançar. Passado algum tempo uma das bruxas disse ao tal rapaz:
— Daqui a pouco vai chegar o nosso deus. Quando ele chegar tens de beijar-lhe o rabo e, em seguida dizer... «aboa, aboa por baixo de toda a folha».
Pouco tempo depois chegou o deus das bruxas e elas, uma a uma, iam junto dele e beijavam-lhe o traseiro. O rapaz ao ver aquela cena, disse para consigo: «Oh, valha-me Deus! Quem é que há-de beijar tão negro rabo!». E pensando isto foi-se afastando um pouco do terreiro onde estavam as bruxas, com o intuito de fugir dali, e foi então que resolveu dizer: «aboa, aboa por baixo de toda a folha».
As bruxas soltaram todas uma grande gargalhada e disseram em coro: «aboa, aboa por cima de toda a folha». Nisto elevaram-se no ar, juntamente com o seu deus e voaram bem alto, olhando e troçando do pobre rapaz que no seu voo rasteiro ficara preso num grande balseiro.
- Source
- JANA, Isilda Histórias à Lareira Abrantes, Palha de Abrantes, 1997 , p.34-35
- Year
- 1996
- Place of collection
- Pego, ABRANTES, SANTARÉM
- Collector
- Raquel Marcão (F)
- Informant
- Jacinta Coxinha (F),