APL 992 O almocreve e as bruxas
Era uma vez um almocreve que dava pancada na mulher. Quando chegava a casa do trabalho, aguentava quantas ele lhe desse.
Certa noite, o almocreve passou numa ponte e ouviu bruxas a falar. Quedou os machos e pôs-se a ouvir. Diziam elas:
– Ali vai o gajo! Mas ele não sabe a grande toureadela que a mulher lhe vai dar.
Eu hoje já lhe fui encher a sopa de cinza.
– Não fizeste nada de mais. Eu enchi-lhe a comida de hortaliça e alho com cascalho.
Chegou a casa e a mulher, cheia de medo, pediu-lhe:
– Ó homem, tu não me batas.
– Ó mulher, não te aflijas que eu hoje não te bato.
– A ceia está pronta.
– Hoje não quero comer. Anda-me ajudar a descarregar os machos.
Lá foram, até que se deitaram. Às tantas da noite, ouviu-se uma grande restolhada. O almocreve levantou-se e percebeu logo do que se tratava:
– Ó grandes, vinde cá. Não tenho medo de vós. Sois a arrelia da minha casa.
No telhado parecia que estavam todos os diabos do inferno.
– Deixa estar que eu já vos espanto!
Quista, com quista,
No meio desta casa,
Em todo o lugar que eu esteja,
S. Pedro, S. Paulo, S. João Baptista!
Mal disse estas palavras, as bruxas largaram logo e deixaram de enrodilhar a vida do homem. Daí em diante, o almocreve e a mulher deram-se como Deus com os anjos.
- Source
- AA. VV., - Literatura Portuguesa de Tradição Oral s/l, Projecto Vercial - Univ. Trás -os-Montes e Alto Douro, 2003 , p.B4
- Year
- 2002
- Place of collection
- Cambres, LAMEGO, VISEU
- Collector
- Salomé Gouveia (F)
- Informant
- Alzira do Carmo (F), 67 y.o., Cambres (LAMEGO),