APL 883 As Bruxas do Caminho de Merlim
Havia uma chã muito grande, adiante da Quebrada que ia para Melim, que tinha muita má fama. O povo não se cansava de contar o que por ali se passava.
Acontece que um dia, mandou uma mãe seus filhos buscar o correio ao lugar de Melim, pois soubera que o marido que estava no Brasil lhe havia escrito. A viagem ainda era longa, cerca de meia hora, e a noite estava a cair.
- Ó meus filhinhos, vós não ides buscar a carta do vosso pai?
- Vamos mãe! — responderam prontamente as crianças, desejosos das novidades frescas do pai, e com vontade de obedecer à mãe.
- Atenção que não vades ali por baixo, por aquela chã. Ide por cima!
Mas os miúdos, desejosos de cumprir rapidamente o caminho, não deram ouvidos à mãe, e foram pela chã. À ida para Melim, quando ali passaram, ouviram dois estouros, mas nada viram. Quando regressavam e chegaram à chã, viram duas mulheres à sua frente. Estavam as duas a dançar, vestidas de vermelho, ora virando para um lado ora para o outro, etc.
Os rapazes viram naquilo obra do diabo, e disseram:
- Mas que putas são estas que estão aqui a dançar? Quem vem lá?
- Olha a tia Isaura também está aqui a dançar! — a bruxa tinha-se representado numa mulher que conheciam.
- Ó Quim — disse o mais velho, de nome João -, vamos embora daqui! Se eu soubesse que isto ia acontecer tinha trazido comigo um pau para lhes cair em cima.
Mas quanto mais eles subiam o caminho, mais elas trepavam atrás deles.
— Isto são como burros a trepar — disse um dos irmãos, antes de chegar a casa, abafadinhos de tanto fugir e ainda com as risadas das bruxas nos ouvidos.
Vendo-os neste estado, a mãe bem lhes lembrou do aviso que lhes fizera:
- Eu não disse para não seguirem o caminho da chã? Eu sei que ali se juntam as bruxas todas das redondezas, porque já as vi ali! E lá contou aos filhos o que vira:
Era eu ainda novinha e fora lá abaixo ao campo tapar umas poças para no outro dia ir regar. Então ouvi-as falar. Eram seis, e diziam umas para as outras:
- Bom, agora quanto é que embarcamos para o Brasil?
- Eu também quero ir, — respondeu uma delas imediatamente.
- Vamos lá a ver se o que manda no barco consente, porque eu ando prenhe. Não sei, vamos lá a ver...
- Amanhã vamos falar com ele!
No dia seguinte iam a entrar para o barco e diziam umas para as outras:
- Se andar, é esta noite...
Elas eram quase todas casadas e iam para o Brasil para se divertirem...
Então o barqueiro — que era o Diabo — disse:
- Entrem todas para irmos embora ... — Entraram todas mas o barco não seguia viagem. O diabo bem dizia que o barco não ia, e perguntava se alguma estava grávida.
Ao que todas responderam que não! O diabo contava as presentes, mas o barco não se mexia. E só quando, por fim, acrescentou mais um aos que via, o barco parecia que desaparecia, tal era a velocidade:
- Ai que morremos aqui todas, - gritou uma mais nova, que não estava habituada àquelas andanças.
Chegadas ao Brasil foram ao folguedo. Quando voltavam para vir embora, uma delas disse:
- Agora vamos cada uma buscar o seu ramo.
- Deus te livre de fazer isso! — respondeu-lhe o diabo — Não vês que os ramos podem denunciar o que fazemos?
Mas esta bruxa, nas escondidas, lá pegou num pequeno ramo e, quando encontrou o namorado, ofereceu-lho. No dia seguinte o namorado colocou o ramo ao peito, e foi com ele à missa. As outras bruxas também foram à missa. No fim das cerimónias, ao sair da porta da igreja, foram ter com o namorado da amiga e disseram-lhe:
- Tira isso daí! Ouvistes? Se não o tirares, não passas de hoje!
O pobre do rapaz, virando-se para a noiva, só disse:
- Então porque é que mo deste? Mas que namorada eu tenho!
- Dei-to para o guardares, e não para o mostrares a toda a gente.
A partir daquele dia o jovem não quis saber mais da namorada, por desconfiar daquelas ameaças tão misteriosas.
- Source
- CAMPELO, Álvaro Lendas do Vale do Minho Valenca, Associação de Municípios do Vale do Minho, 2002 , p.165-167
- Place of collection
- Sanfins, VALENÇA, VIANA DO CASTELO
- Informant
- Adelina Pedreira (F), 80 y.o., Sanfins (VALENÇA),