APL 462 A levitação de josé perpétuo
Aquilo qu’eu vou contar passou-se na Senhora de Verde, lá na eira do mê pai.
Tinhamos uma égua quase morta, uma vaca quase morta tamem e outra enjêtou o bezerrinho. Que era as bruxas que faziam isso. E então a gente na dava dormido naquela casa. Eu fui ‘tar com uma bruxa ali em Portimão, que era a Maria Pinto, e ela disse vá lá a Estombar, que há lá um homem que é que dá conta disso.
Eu fui a Estombar e o homem disse assim então o qu’é que você vem aqui buscar. hoje?
Pois venho aqui que tenho lá uma vaca quase morta e outra enjeitou o bezerro e a égua tamem ‘tá quase morta e têm morrido os porcos. E então dê-lhe trezentos escudos. Naquele tempo era um tempo que se ganhava vinte escudos.
E ele disse assim olha deste-me estes trezentos escudos e agora já na te morre lá gado nenhum, tamem tu na ‘tás doente nem o teu pessoal e a égua na morre e a vaca na cria o bezerro.
E eu na me queria crer, Vim cá e disse vai dando o bezerro à vaca, mas ela há-de, dar sempre coices até ao fim e foi verdade, era mesmo malina. E na criou o bezerro. E então a égua na morreu e nunca mais morreu lá gado nenhum.
E ele disse-me assim e tu tens andado a moer umas moças e elas agora querem-te fazer em farinha. Tens que ter cuidado com uma próxima de ti. Más tu na cases com essas que andem-te a querer fazer em farinha. Vai casar com uma que há lá que na te quer fazer mal, quere-te é bem. E as outras na te querem bem porque tu tens-lhes feito mal e na pretendes delas.
E eu fui nessa noite à casa duma prima minha, que eu namorava com ela. Mais isto e mais aquilo, e ela disse fique cá primo Zé. Mas eu lembrê-me do que o bruxo tinha dito e respondi-lhe na fico qu’eu tenho lá um serviço a fazer amanhã logo cedo e quero dizer ao mê pai e à minha mãe.
Eu ‘tava desconfiado que me aparecia qualquer coisa, que ele disse dentro de seis dias aparece-te uma coisa.
E eu pensi aqui nesta casa na durmo que senão depois sabem as voltas qu’eu tenho dado. E cheguê à eira, pensi esta noite qu’é que será que m’aparece. Dêtê-me assim na eira destapado. E ouvi chover na palha. Eu pensi é pedras que me caem em cima e tapê-me com a manta. Assim que me tapê com a manta levanta-se um ramoínho de vento que fui levado p’ró ar, com os pés p’ra cima e a cabeça pr’a baixo e pareceu-me que avoou a palha toda. Andava no ar. A manta fazia uma batida e eu engarafinhê as unhas na manta. Cheio de medo pensi agora ond’é que vou caír morro logo. Mas depois caí e fiquê ali muito enrolado na manta. Más no outro dia levantê-me estava tudo certo, na ‘tava nada mudado, a palha no mesmo sítio.
E depois fui ter com ele e ele perguntou-me assim então apareceu-te lá alguma coisa? Pois apareceu-me. Então e tiveste medo? Então na havia de ter medo? Até andê no ar. Andaste no ar? Pareceu-te a ti que andaste no ar, mas estiveste sempre no mesmo lugar. Lançaram-te foi um mal de enveja qu’é das coisas piores. Tem mas é cuidado com as moças!
- Source
- TENGARRINHA, Margarida Da Memória do Povo Lisbon, Colibri, 1999 , p.29-30
- Place of collection
- Mexilhoeira Grande, PORTIMÃO, FARO
- Informant
- José Perpétuo (M), born at Mexilhoeira Grande (PORTIMÃO),