APL 938 A abadessa do convento de alvelos
Junto da povoação de Alvelos, pertencente ao Concelho de Lamego, havia um convento cuja origem remontava aos primórdios da nacionalidade portuguesa.
A sua Abadessa era uma pessoa muito piedosa e muito amiga dos pobres. A sua maior preocupação era o cumprimento das obras de misericórdia, principalmente as de dar de comer aos que tinham fome e de beber aos que tinham sede.
Chegava a dar o que fazia falta às suas monjas, confiada na Divina Providência, que não abandona os que nela confiam e prometeu dar cem vezes mais e a vida eterna a quem der um copo de água em seu nome.
Certo dia, chegou-lhe ao convento uma pobre mulher a chorar, dizendo que não tinha côdea de pão para matar a fome a meia dúzia de filhos.
A generosa Abadessa, condoída de tanta miséria, chamou a Ecónoma e pediu-lhe que socorresse aquela mãe aflita com o que houvesse no convento.
Mas a Ecónoma respondeu que, naquele momento, não tinha na despensa qualquer espécie de mantimentos. Nem pão havia para pôr na mesa. Isso a trazia agoniada por não saber como havia de resolver aquela extrema situação.
Não te preocupes com isso, diz a bondosa Abadessa. Se passarmos um dia sem comer, não morremos por isso. Procura bem, que alguma coisa há-de restar para fazer caridade.
A Ecónoma respondeu:
- Só temos uns restos de azeite na talha. E com ele que vou cozer umas ervas que apanhei na cerca, para servir de almoço e enganar a fome das nossas Irmãs.
- Pois então dá-lhe esse azeite e prepara as ervas para nós, só com água, que isso ainda temos com abundância, louvores a Deus.
A Ecónoma retirou-se, calada, para a cela, a pensar se havia de obedecer à Superiora ou à obrigação que tinha de zelar pela vida e saúde das Irmãs. Ajoelhou-se diante do crucifixo e pediu muito ao Espírito Santo que a ajudasse a tomar a decisão mais acertada.
Terminada a oração, veio-lhe à memória o provérbio popular: voz do povo, voz de Deus. Ora o povo diz: esmola a Mateus, mas primeiramente aos teus. E atrás deste surgiu outro também muito conhecido: a caridade bem ordenada por nós é começada.
Então, julgando que era a resposta de Deus à sua dúvida, foi ter com a mendiga e despediu-a com estas palavras:
- Irmã, hoje não posso ajudá-la. Vá com Deus e que Nosso Senhor a favoreça.
Depois, foi ter com a Irmã cozinheira, deu-lhe as ervas e o azeite e disse-lhe que preparasse o almoço com aquilo, porque não havia mais nada.
Quando a sineta tocou a chamar as Irmãs para o refeitório, após a reza habitual, a Abadessa, antes de servirem a magra refeição, provou as ervas cozidas e notou o gosto do azeite. Chamou a cozinheira e perguntou-lhe donde viera aquele azeite.
A cozinheira respondeu que lho dera a Ecónoma, como era hábito, para temperar as ervas.
Chamou, depois, a Ecónoma e fez-lhe a mesma pergunta.
A Ecónoma, um pouco comprometida, respondeu que era o azeite da talha. Não o dera à pedinte por ter pena das irmãs e por julgar que era essa a vontade de Deus a quem tinha pedido ajuda.
Então a Superiora ordenou que ninguém comesse daquelas ervas que tinham sido cozidas com azeite roubado e mandou-as deitar pela porta fora.
Os cães e os gatos que rondavam o convento, atraídos pelo cheiro do azeite, aproximaram-se e comeram-nas. Passados alguns instantes, começaram a contorcer-se com dores e morreram todos.
Então, as monjas, vendo isto, reconheceram que ali andava o dedo da Providência Divina: as ervas eram venenosas e elas teriam morrido todas se as tivessem comido. Era já a recompensa da caridade da generosa Abadessa.
Mas a surpresa não ficou por ali. A Ecónoma, depois de pedir perdão à Comunidade, dirigiu-se à despensa a ver se ainda escorriam algumas gotas de azeite para o jantar e ficou atónita: a talha estava a transbordar de azeite.
Comunicou a descoberta à Superiora que exclamou:
- Louvado seja Deus que sustenta as aves do céu e veste os lírios do campo, que Se lembrou também de nós!
E, dali em diante, nunca mais faltou o azeite na talha do convento, graças à caridade da sua generosa Abadessa.
- Source
- FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis Vila Real, Edição do Autor, 1999 , p.143-145
- Place of collection
- LAMEGO, VISEU