APL 3228 [Lenda de Nossa Senhora da Estrela]
Na origem do convento da Estrela entrou, como em muitos outros que em Portugal se estabeleceram, a lenda piedosa de um milagre, de um caso sobrenatural, lenda que o povo de Marvão e o das terras circunvizinhas tem carinhosamente guardado através da sua tradição de séculos, pois já vem, segundo se diz, de tempos anteriores ao princípio da nacionalidade.
Com, efeito, a lenda da miraculosa aparição de Nossa Senhora da Estrela, no sítio onde depois se ergueu o templo actual, parece vir desde as recuadas eras do domínio dos Visigodos na Península, a dar fé à narração que, com mais ou menos variantes, é feita nas várias Crónicas Seráficas que compulsamos. Assim conta-se que depois da decisiva batalha de Guadalete em que foi derrotado Rodrigo, último rei dos Visigodos, derrota que abriu a Península à invasão dos serracenos ou messulmanos, os moradores de Marvão, não querendo sujeitar-se ao domínio dos novos invasores, haviam preferido seguir a sorte dos seus companheiros vencidos refugiando-se com eles nas escondidas e àsperas brenhas das serranias das Astúrias. E para que as suas imagens sagradas não fôssem ultrajadas e destruídas pelos infléis tomaram o expediente de esconder as que não poderam levar consigo, como aconteceu à imagem da Senhora da Estrela, oculta, para assim escapar ao sacrilégio, cerca de uns 300 anos, até ao momento de ser reconquistado aos mouros o elevado morro onde se ergue hoje a vila de Marvão.
Pouco depois deste sucesso conta-se que em certa noite uma estrela de extraordinário brilho e grandeza atraira os olhares de um pastor que guardava o seu gado nas cercanias. Deslumbrado por tão estranha aparição afoutou-se o pastor a subir até ao alto do monte onde depois se edificou o convento, sempre guiado pela luz intensa dessa estrela, descobrindo então a imagem em um recanto das penedias que ali se acumulam.
Esta imagem esteve exposta à veneração e culto dos fiéis durante muitos anos no seu primitivo esconderijo, em uma rústica e improvisada capela formada com as próprias brenhas, que foi mais tarde beneficiada e revestida de azulejos.
Segundo a narração de uma das mais velhas crónicas da Ordem esta gruta, primitivo santuário onde se venerou com ferverosa crença a Santa, era constituída por um pequeno e reduzido espaço que, a custo, mal podia conter três ou quatro pessoas. Ali se conservou, porém, a pequenina imagem da Senhora da Estrela até que em 1724, sendo guardião do convento Fr. José de Santa Bárbara, foi mudada para a sua actual capela, não sem grande oposição e descontentamento dos devotos receosos de que a mudança fizesse perder a eficácia das maravilhosas virtudes que pela tradição lhe eram atribuídas.
- Source
- COELHO, Possidónio Mateus Laranjo Terras de Odiana Coimbra, sem editora, 1924 , p.339-340
- Place of collection
- MARVÃO, PORTALEGRE