APL 1375 A Furna de Frei Matias e os descobridores do Pico

Nos finais do século quinze, quando a ilha do Pico era ainda desconhecida dos povoadores das outras ilhas, veio do reino um ermitão que, para fazer vida santa, escolheu viver na despovoada ilha do Faial.
 Estava ali sozinho todo o Inverno e, só no Verão, quando pessoas da Terceira vinham ao Faial visitar as suas terras e gados, o ermitão via outros seres humanos.
 Um dia de Inverno, ao pôr-do-sol, estando o bom homem em oração, reparou que sobre o mar, onde antes só havia um denso nevoeiro, aparecia uma ponte luminosa. Vagarosamente, sobre ela vinha a Virgem Maria, vestida de longas roupas, alvas como a neve, e fazia-lhe gestos de chamamento. 
 Naquela noite o ermitão esteve sobressaltado e, no dia seguinte, dirigiu toda a sua atenção para o lugar onde na tarde anterior tivera tão suave, mas estranha visão. Sobre o espelho azul prateado do mar nada viu, durante o dia inteiro. Porém, ao entardecer, quando se dirigia para a cabana, que lhe servia de abrigo da chuva e do frio da noite, viu desabrochar do denso nevoeiro a mesma visão. Pediu a Deus que lhe explicasse aquele mistério e, durante a noite, ouviu uma voz que lhe dizia:
 — Meu filho, aquela donzela que além vês é Nossa Senhora. Chama-te para que entres com Ela no reino dos céus. Mostra a tua confiança em Deus, constrói um barco e parte ao encontro da Mãe do Senhor.
 Com grande entusiasmo, na manhã seguinte, Frei Matias foi para a praia e começou a fazer uma barca que forrou de pele de porco. Trabalhou muito durante meses, forrou-a de couro e não quis ajuda dos que entretanto tinham vindo da Terceira ver as suas fazendas.
 Uma manhã, depois de ajoelhar na praia e rezar, fez-se ao mar, perseguindo a maravilhosa visão. A meio do canal, levantou-se uma tempestade. O barquinho oscilava e rangia, mas o fradinho continuava sorridente.
 Uma vez, em que um raio caiu perto, o ermitão desesperou e clamou por Deus. Então a ponte luminosa e a Virgem desapareceram e o barco foi atirado contra a costa de uma ilha que o frade nunca tinha visto, porque estava envolta em nuvens densas. Era a ilha do Pico.
 Ao chegar ao Pico, Frei Matias não pôde voltar para trás porque o seu barco de pele de porco tinha ficado desfeito.
 Andou algum tempo para o interior da ilha até que encontrou uma furna coberta de lindas estalactites e foi aí que se abrigou do frio da noite e das tempestades que assolavam a ilha e aí viveu o resto dos seus dias.
 Mais tarde esta parte da ilha do Pico foi povoada e, durante muitos anos, os pastores afirmavam que, à noite, depois de recolherem os seus gados, viam, lá longe, o bom fradinho com um facho na mão à procura de Nossa Senhora para o conduzir ao céu.
 Assim o primeiro descobridor da ilha do Pico foi a Virgem Santa e o segundo, aquele santo ermitão que deu o nome à furna que lhe serviu de abrigo — a Furna de Frei Matias.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.217-218
Place of collection
LAJES DO PICO, ILHA DO PICO (AÇORES)
Narrative
When
15 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography