APL 1232 A Furna de Cal no Facho

No Facho, em Santa Maria, havia, ainda há poucos anos, uma furna com cerca de trinta metros de comprido, onde costumavam tirar pedra de cal, que depois era trabalhada e exportada para as outras ilhas dos Açores.
 Pelos princípios deste século, um certo dia, estavam uns homens na furna a trabalhar. Era de Verão e lá dentro fazia um calor muito grande, que aumentava à medida que se aproximava o meio-dia. Quando chegou a hora de jantar, um deles disse:
 — A gente não janta aqui dentro que é muito calor. Vamos comer aí para fora.
Os outros concordaram e saíram. Sentaram-se na erva amarelada do pasto, tiraram a comida dos cestos e começaram a jantar. Enquanto comiam, falavam, riam, alguns contavam histórias e não davam por o tempo passar.
 Estavam nisto quando apareceu uma criança, um rapazinho branco e lindo como um anjo. Os homens ficaram admirados de ver uma criança por ali e um deles perguntou:
 — Eh rapaz, o que é que queres? Queres um bocadinho de pão? O rapazinho meneou a cabeça e disse:
 — Não, não quero comer. Venho só avisar os senhores que não voltem lá pra dentro. Vai cair um bocado da furna e pôde matar alguém.
 Os homens riram-se e um exclamou:
 — Hã...hã...hã! Olha agora o pequeno!
 Continuaram a comer e o rapazinho sumiu-se. A conversa continuou, mas agora à volta do que tinha acontecido. Um dizia:
 — Ora o rapazinho... — e calava-se como se não soubesse mais o que dizer ou não quisesse falar no que estava a pensar.
 Um outro, menos preocupado, insistia, como para se convencer a si próprio:
 — Ficaste pegado com o rapaz!
 Chegou por fim a hora de voltarem ao trabalho e um disse, convicto:
 — Eu acredito no pequeno! Uma criança tão branca, tão linda, parecia um anjo... A gente não vai para dentro.
 Os outros, entre o duvidoso e o amedrontado, concordaram. Só um deles achou tudo aquilo um disparate e afirmou:
 — Ah, agora... ficar por um pequeno! Eu vou trabalhar!
 E foi. Mas, na altura em que acabou de entrar, caiu um bocado da furna, desabando sobre o homem pedras enormes e grandes montes de terra. O homem ficou todo despedaçado e morreu. Os outros ficaram horrorizados, mas salvaram-se, apenas porque acreditaram num rapazinho, vindo não se sabe de onde.

Source
FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias Ponta Delgada, Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.49-50
Place of collection
VILA DO PORTO, ILHA DE SANTA MARIA (AÇORES)
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography