APL 1091 Mestre Luis e a chiba embruxada
- Fique cá Ti Luís, dorme ali no palheiro. Já não são horas de ir para Rabacinas.
- Não, não, vou dormir a casa e amanhã estarei de volta.
- Atão, mas vai a esta hora atravessar a Serra? Sozinho? Admirou-se a mulher.
- Sozinho mais Deus. Disse baixo. Quem não deve não teme.
Após o jantar, o Mestre embrenhara-se na noite. Só os cães ladravam mesmo assim só a forasteiros.
Acabou por se meter pela vereda da Fonte que o levava à Serra. Só conhecimento do atalho fazia com que o não perdesse.
A noite é para os cães e para os homens. E era uma verdade.
- Ó! É mesmo!... Admirou-se o Ti Luís. Uma chiba a berrar!? Cochichou para si.
Tresmalhara-se pela certa, àquela hora e naquele local. Estaria a meio caminho, em plena Serra, e só um pensamento lhe ocorreu, agarrá-la e levá-la. Mas passou um bocado atrás dela.
Era esquiva o raio da bicha. Fê-lo cansar.
- Mas que belo animal, valeu bem a pena. Desabafou para consigo.
Lançou a chiba para os ombros e avançou.
Seria do cansaço natural!? A chiba parecia cada vez pesar mais. Nisto sentiu-se molhado, a quase totalidade do dorso foi inundado por um líquido quente e de cheiro familiar.
- Já me mijou a velhaca. Concluiu o viajante.
Já não duvidava, a carga cada vez se tomava mais pesada. Começou a ganhar consistência a ideia de que transportava uma bruxa. Uma bruxa!?... E ele que nunca acreditara, apesar de ouvir tantas histórias.
Mais uma partida. Desta vez o animal deixara-lhe marcas de excrementos no casaco e um cheiro ainda pior do que o primeiro. O peso duplicara ou triplicara, tinha que se desfazer dela. Pensou e não esteve com meias medidas. Reuniu forças e com uma raiva cega de vingança lançou a chiba contra as pedras.
- Arrebenta coirão. Vociferou.
O animal ganiu e fugiu à carreira. Ouviu-se depois uma longa gargalhada entrecortada com as expressões, “bem te caguei e bem te mijei”, “bem te caguei e bem te mijei”.
À qual o Mestre Luís respondia:
- Tamém levaste uma forte bocada, tamém levaste uma forte bocada, bruxa dum ladrão.
Exausto e sem pinga de sangue chegou a Rabacinas. A aldeia estava vazia àquela hora, mas nunca a sentira tão acolhedora nem lhe transmitira tamanha segurança.
- Source
- HENRIQUES, Francisco Contos Populares e Lendas dos Cortelhões e dos Plingacheiros , Associação de Estudos do Alto Tejo, 2001 , p.112-113
- Place of collection
- PROENÇA-A-NOVA, CASTELO BRANCO
- Collector
- Francisco Henriques (M)
- Informant
- Luis Henriques (M), PROENÇA-A-NOVA (CASTELO BRANCO),