APL 1675 E então os bruxedos e as feitiçarias?

«Diz-se muita coisa sucedida na nossa praia com bruxas. Eu nunca vi nada, nem de noite, nem de dia. Mas que há quem faça mal com feitiçarias e bruxedos, isso há. Acredite. Vou contar-lhe uma que todos os velhos da nossa terra lhe podem confirmar, porque foi conhecida de toda a pescaria. Antes do dia 27 da desgraça, havia uma lancha de um tal Michorro, que era parente das cachopas do Reis, de junto ao Castelo. Este Michorro tinha um irmão que era um castelo! Um rapagão forte, a vender saúde. A lancha foi uma tarde largar as redes. Lá no mar alto, redes acima para se ir compondo para a largada. Os pais de rapaz a cumprir a obrigação, desceram abaixo, para botarem para a testa do meio as pedras destinadas aos imentos. Mas eis que de repente os pais de rapaz, passados de susto, sobem acima e declaram que não voltam abaixo, porque no meio das pedras está uma boneca, muito bem vestida, que é, com certeza, coisa de bruxedo. Todos olharam para baixo e viram a figurona, toda bem posta e ficaram receosos. O irmão do mestre Michorro, que estava no serviço de largar, farto de berrar que lhe dessem pedras para o chumbeiro sem o conseguir, veio ver o que era, e, fazendo troça do medo dos pais de rapaz, desce às cavernas e traz para cima a boneca, atirando-a pela proa fora. Mas de repente, dá em correr da proa para a ré, da ré para a proa, a gritar: ai! ai! - ai! ai!, sem descansar. O barco deixou de largar, trouxe-o para a terra e o pobre moço nunca mais-teve saúde: o braço que tocou na boneca ficou encaranguejado, tão torcido, que forte bruxedo foi a tal boneca! Todos os velhos do meu tempo sabem que isto se passou assim e podem contar como eu.»
 «A traineira S. Sebastião andava mar e terra, mar e terra, sem nunca conseguir lançar as redes e ganhar cinco réis. Os marinheiros diziam ao mestre: “Lance as redes que vai aí o mar cheio de peixe”, mas o mestre dizia sempre: “Não vejo nada; não vejo nada!” Os marinheiros andavam desesperados porque o mestre parecia ceguinho de todo, com a bruxaria que lhe tinham feito. As mulheres da companha, conhecedoras, pelos homens, do que se passava, foram ao Porto consultar duas sábias que puseram tudo a claro: um forte bruxedo tinham feito ao mestre e era preciso desfazê-lo. Vieram falar com o mestre e contaram-lhe tudo, dizendo-lhe ser preciso que as sábias entrassem na traineira para a benzer. O mestre concordou; as sábias benzeram-na e na primeira noite que foi ao mar carregou de peixe: «Fez dez contos!»

Source
GRAÇA, A. Santos O Poveiro , Publicações Dom Quixote, 1998 [1932] , p.77-78
Place of collection
Póvoa De Varzim, PÓVOA DE VARZIM, PORTO
Informant
Tio João Pata (M),
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography