APL 1330 Racharam-lhe uma unha e acabou a sina
Havia uma família que só tinha uma filha e vivia na Canada da Manuel Gaspar, no Guadalupe. À noite a família deitava-se, mas a mulher acordava altas horas da noite e achava-se sozinha na cama.
Uma certa vez, a mulher levantou-se e, como estava lua cheia, pegou na roca e veio fiar para o pé do portão, à espera do homem e de ver de onde é que ele vinha. Daí a pouco ela viu um porco que vinha pela canada acima a roncar, a roncar. Zangado, atirou-se à saia de linho vermelho que a mulher tinha vestida e rompeu-lha toda.
Ela largou-se para casa a correr com medo, meteu-se na cama e daí a pouco o homem chegou a casa muito frio. A mulher não disse nada, mas no outro dia de manhã perguntou-lhe:
— Aonde vais todas as noites?
— Pra lugar nenhum. Deito-me aqui contigo na cama, não vês? — disse o homem, admirado com a pergunta.
— Vem ao espelho para te veres e o trabalho que me fizeste esta noite insistiu a mulher, continuando depois — os fios que tens nos dentes são da minha saia vermelha que tá toda rota.
O homem começou a chorar, pois não sabia que tinha aquela triste sina de sair à noite e de se transformar no primeiro animal que encontrava.
A mulher não sabia o que havia de fazer e resolveu contar a um vizinho muito amigo o que se passava na sua casa e o que tinha acontecido nessa noite.
O vizinho disse-lhe:
— O teu homem é lambusão. E assim que acontece quando são sete filhos machos seguidos. Vais fazer o seguinte: pões uma das tuas ovelhas do lado de fora da porta à noite e eu faço o resto.
De noite o homem saiu de casa, como era costume, transformou-se em ovelha e foi ao seu destino. O vizinho ficou à espera e, quando ele chegou, não esperou nada — rachou-lhe uma unha da pata dianteira e fez-lhe sangue.
A ovelha transformou-se logo no dito homem. A unha da mão nunca mais sarou, mas ele ficou muito contente porque assim tinha acabado a sua sina de lobisomem.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias , Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.163-164
- Place of collection
- Guadalupe, SANTA CRUZ DA GRACIOSA, ILHA DA GRACIOSA (AÇORES)