APL 2370 O Burrinho

Eu trabalhava durante o dia, cosia para fora, e à noite é que engomava. A minha filha era pequenina e os meus filhos eram mais velhos. O meu marido nesse tempo trabalhava na armação. Há noite depois deles já estarem deitados e acomodados eu engomava com o ferro a carvão. A casa tinha porta de reixa e uma porta interior (a porta de reixa servia para entrar o ar e a de dentro era para maior segurança). Eu deixava o ferro à porta para despertar o carvão e de vem em quando tinha de se pôr o carvão para ter o ferro quente. Era uma segunda-feira e havia mercado na atalaia. Quando eu fui buscar o ferro, qual não é o meu espanto quando vejo um burrinho cinzento, do tamanho de um cão grande, com o pelo muito brilhante, com as orelhas muito afiladas. Um burrinho muito lindo. Estava sentado tal como um cão. E eu  disse assim: “Ai estás ai sentado, espera ai que eu já te vou apanhar, meto-te aqui em casa e amanhã quando os moços acordarem tal há-de ser a festa de verem um burrinho!” ainda pensei que me pudesse partir tudo em casa, mas na mesma fui tentar apanhá-lo. Só que ninguém conseguiu apanhar o burro, várias pessoas tentaram apanhar o burro e ninguém conseguiu apanhá-lo. Quando íamos para lhe jogar a mão dava um par de pinotes e ninguém conseguia. Eram os moços que estavam na messe (que era ali perto) muita gente tentou apanha-lo mas não conseguiram. O burro desapareceu e ninguém mais o viu! Eu não tive medo porque pensava que era realmente um burro verdadeiro. Quando o meu marido chegou a casa contei-lhe o que se tinha passado, e ele perguntou-me: “então e tu tocaste no burro?” eu respondi-lhe que não porque ele não deixava. E ele disse-me então que era um lobisomem. Mas na altura eu não acreditei só mais tarde é que vim a creditar porque também existia aqui em Tavira um homem que conheço que descobriram que era lobisomem.