APL 1072 Um santo com bom gosto
Em tempos muito remotos andava a gente de Rebordelo muito triste por não ter padroeiro.
Reuniu-se o povo e, depois de muita e larga discussão, acordaram em eleger S. Pedro como orágo da freguesia.
Construíram uma capela, adornaram um altar e entre cantigas e ladainhas colocaram o santo no seu devido lugar — julgando ser definitivamente.
Fecharam as portas da capela e recolheram a suas casas. De manhã bem cedo foram à capela para rezar ao santo mas — espanto geral — o altar estava vazio.
Aconteceu que, durante a noite, o santo havia saído, caminhado até ao Alto da Crista e, escolhendo uma pilheirinha, semeou umas ervas (que nunca secaram) e deitou-se sobre elas. Passou a noite a olhar o vale, a ouvir o vento e a pensar sabe-se lá em quê.
Furiosos com o seu desaparecimento — julgaram que tinha sido roubado — tocaram o sino a rebate, armaram-se com tudo o que puderam e partiram à sua procura. Encontraram-no silencioso e pensativo sentado na pilheirinha a olhar o fundo do vale.
Pegaram nele aos ombros e, de novo, colocaram-no no seu altar entre muitas flores e velas a arder. Como, entretanto, se fizesse noite, trancaram de novo as portas da capela recolheram-se a suas casas.
Saiu de novo — a meio da noite — o santo e foi para a sua pilheirinha de onde podia olhar o vale, ver o rio, ouvir e falar com o vento e sentir o calor das estrelas.
O povo de Canadelo — aldeia fronteiriça a Rebordelo — ao aperceber-se do que se estava a passar foi, a toda a pressa ao encontro do santo. Cantaram-lhe hinos, tocaram zabumbas e, entre sentidas ladainhas e promessas de lhe fazerem uma festa a 29 de Junho de cada ano, transportaram-no em procissão até à aldeia.
Aí chegados colocaram-no no vértice mais alto da igreja donde pode admirar todo o vale, ver toda a gente e sentir o aroma, a frescura e ouvir o murmurejar do rio.
Desde então ali permanece para alegria de todos.
O povo de Canadelo cumpre ciosamente como prometido e, se ainda de lá não saiu é porque se sente bem pois, aos santos e aos demónios, não há trancas nem amarras que os prendam por muito fortes que sejam.
- Source
- PATRÍCIO, António Lendas de S. Gonçalo e de Amarante , Paróquia de S. Gonçalo, 2009 , p.60-61
- Place of collection
- Rebordelo, AMARANTE, PORTO