APL 910 O castelo de Monforte

No Concelho de Monforte, perto da cidade de Chaves, há um castelo conhecido por castelo de Monforte, isolado, numa colina, a vigiar as aldeias existentes à sua volta.
 Mas, segundo a tradição, havia outrora, junto dele, uma povoação muito importante que desapareceu, há já muitos anos, por causa do seu governador, odiado pelos habitantes da aldeia.
 Era ele o príncipe D. Afonso, irmão de el-rei D. João V, homem de mau génio e, por isso, de mau relacionamento com os seus súbditos. Quando passava por eles, não tinha um sorriso nem sequer uma palavra para os saudar. Passava por eles com ar sobranceiro de desprezo que os magoava profundamente.
 Devido a esse mau feitio, as pessoas não gostavam dele, mas respeitavam-no como seu Senhor e descobriam-se à sua passagem.
 Um dia, o príncipe enviou um mensageiro a anunciar que ia fazer uma visita oficial à povoação.
 Então, os representantes do povo reuniram-se em assembleia geral, para discutirem e deliberarem sobre a maneira de o receberem condignamente, dentro das suas limitadas possibilidades.
 Depois de algumas horas de viva discussão, resolveram enfeitar as ruas com arcos de verdura e arranjar flores para lhe deitarem à sua passagem; comprar foguetes na vila de Chaves e contratar o gaiteiro galego que costumava animar as festas das redondezas.
 Mas faltava a coisa mais importante e mais difícil de conseguir: a prenda para lhe oferecer. Aí não chegavam a acordo, por mais voltas que dessem ao miolo.
Na verdade, que poderiam oferecer a um Senhor tão rico, eles que eram tão pobres? Só tinham os produtos que dava a lavoura e mesmo desses muito poucos, nessa altura de fim de ano.
 Nessa época, não havia senão algumas castanhas no caniço, figos secos e pinhas mansas, donde extraíam os pinhões.
 As castanhas secas eram guardadas para a sopa de inverno e algumas reservadas para as sextas-feiras da Quaresma, em que não se podia fazer uso da carne de porco.
 Os pinhões eram o regalo das crianças que os utilizavam para o jogo do par e pernão e o jogo do rapa, à volta da lareira, na noite de consoada.
 E os figos secos eram guloseimas oferecidas aos cantores das Janeiras, no dia um de Janeiro, e dos Reis, no dia seis do mesmo mês.
 Ora, qual destas três coisas agradaria mais ao príncipe?
 Depois de ouvidas as razões de todos, acordaram, com alguma dificuldade, que deviam oferecer os figos, por serem muito doces e muito raros, naquele tempo.
 No dia aprazado para a visita, estavam todos preparados, no largo da povoação, com o fato de ver a Deus e tudo já no devido lugar.
 Quando o príncipe chegou, deitaram foguetes, bateram palmas, lançaram flores, enquanto o gaiteiro apertava, com frenesim, a gaita de foles, e deram-lhe as boas-vindas.
 Por fim, chegou a vez de oferecerem a prenda. Então, o principal representante do povo, previamente designado para o efeito, aproximou-se do príncipe, estendeu o açafate de verguinha, cheio de figos secos, cobertos com um pano branco de linho bordado, que um pajem recebeu e depois entregou ao Senhor.
 Mas, quando o príncipe descobriu o açafate e deu com os olhos nos figos, franziu o sobrolho, furioso, tomando aquela dádiva como uma desconsideração.
 Figos? Era lá coisa que se desse a uma pessoa tão importante? Não, aquilo só podia ser por desfeita. Mas não iam ficar sem resposta.
 Indignado, chamou os guardas que o acompanhavam e ordenou-lhes que amarrassem o homem a uma árvore próxima e lhe arremessassem os figos todos à cara.
 Depois de aplicado o castigo, deu meia volta e regressou ao castelo, profundamente agastado com aquele enxovalho.
 Então, os habitantes da aldeia, surpreendidos e revoltados com aquele desfecho inesperado da festa, apressaram-se a soltar o prisioneiro, que, ao contrário dos vizinhos, não perdera o seu habitual bom humor, e exclamou com alívio:
 - Safa! Olha se lhe tínhamos oferecido as pinhas!
 E foi por causa disso que os habitantes da antiga povoação abandonaram as casas, que, com o decorrer dos anos, foram desaparecendo.
 Dessa povoação apenas resistiu ao camartelo do tempo o altaneiro castelo de Monforte.

 

Source
FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis , Edição do Autor, 1999 , p.55-57
Place of collection
Santo António De Monforte, CHAVES, VILA REAL
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography