APL 932 O cordão de s. joão

Na região de Vila Real, o povo acreditava que S. João passava a noite de vinte e três para vinte e quatro de Junho, véspera da sua festa, a percorrer as fontes e a benzer a água, enquanto a gente se divertia, fazendo cascatas, saltando fogueiras, cantando e dançando em sua homenagem.
 E acreditava ainda que quem se lavasse com a água benzida ficava abençoado também durante todo o ano. Mas era preciso ir buscá-la, antes de nascer o Sol, porque o Sol tirava-lhe a virtude.
 Por isso, as pessoas, terminada a folia, depois de passarem pelo sono, madrugavam a ir procurá-la, para não perderem as bênçãos do Santo.
 Ora, numa dessas manhãs de S. João, em Mateus, uma aldeia perto de Vila Real, uma rapariga, mandada pela mãe, foi à fonte próxima de sua casa, para levar a água milagrosa.
 Mas, ao meter o cântaro na fonte, teve uma alegre surpresa: à tona da água, boiava um lindo cordão de oiro que reflectia o brilho da lua cheia.
 Passada a surpresa inicial daquela visão inesperada, mergulhou o cântaro para apanhar o cordão. Mas, logo que meteu o cântaro na água, o cordão desapareceu.
 Ficou muito triste a olhar para a fonte sem saber o que fazer. Passados alguns momentos, o cordão reapareceu, mais lindo e mais brilhante.
 Voltou a tentar apanhá-lo, mas em vão: sempre que mexia na água, o cordão desaparecia. Mas ela teimava em apanhá-lo, sem desanimar.
 Uma vez, introduziu o cântaro com muito jeitinho, para não fazer ondas, e estava prestes a apanhá-lo, quando a mãe, estranhando a sua demora e receando que lhe tivesse acontecido algum percalço, chamou por ela, da porta:
 - Maria! Maria! Que estás para aí a fazer, minha pasmada?
 A filha, entretida como estava, não respondeu, mas não conseguiu evitar um ligeiro estremecimento que fez desaparecer de novo o cordão.
 Esperou, uma vez mais, que ele reaparecesse e já o tinha dentro do cântaro, quando a mãe chamou, pela segunda vez:
 - Ó Maria, avia-te, que o Sol está aqui, está a aparecer.
 E, como a filha não respondeu, a mãe perdeu a paciência e gritou, agastada:
 - Não respondes? Tu p’ra cá vens, alma do Diabo.
 À palavra diabo, o cordão saltou do cântaro e desapareceu, na água, sem deixar rasto. A rapariga ainda esperou que ele voltasse a aparecer, mas em vão: o cordão sumiu-se de vez.
 Então, mais triste do que a noite, teve de regressar a casa, só com a água benzida. O cordão lá ficou para sempre.
 As pessoas, que tiveram conhecimento do estranho caso, continuaram a ir àquela fonte, todos os anos, na noite de S. João, na esperança de o tornar a encontrar, mas nunca ninguém lhe conseguiu pôr a vista.
 Agora, já ninguém lá vai, nem para buscar a água de S. João, nem para ver o seu cordão de oiro.
 Mas ainda acreditam que ele continua escondido dentro da fonte.

Source
FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis , Edição do Autor, 1999 , p.118-119
Place of collection
Mateus, VILA REAL, VILA REAL
Narrative
When
20 Century, 90s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography