APL 3636 [A moura do castelo de Bemposta]

Na vila de Bemposta [concelho de Mogadouro] houve em tempos uma mulher, casada, que tinha forno em casa onde todos os meses cozia o pão para sustento da sua família. Quando uma vez estava a começar a amassar, entra pela porta do forno uma mulher desconhecida, mas nova, bela e encantadora, ainda que no semblante se lhe denotava tristeza; sem dar palavra deitou-lhe água na masseira e retirou-se.
    A mulher nada lhe disse, mas contou o sucedido ao marido e este respondeu-lhe que se tornasse a ver essa mulher lhe perguntasse o que queria. Dias depois, e à hora de começar a amassar, apareceu a dita mulher. Então a dona do forno pergunta-lhe:
    — Quem sois vós, mulher?
    — Uma moura, encantada no castelo da vila, e se fores capaz de me desencantar dar-te-ei enormes tesouros que tenho — respondeu ela.
    Disse-lhe a outra que aceitava, mas era preciso que lhe dissesse o que ela tinha a fazer, para dar conhecimento ao marido. No rosto da moura raiou a alegria, a sua alma encheu-se de esperança, por lhe parecer chegada a hora de se ver livre de tão penoso cativeiro, e disse:
    — Não precisas mais do que ter coragem; na noite de S. João, à meia-noite em ponto, hás-de estar no largo do castelo, firme como uma estátua de mármore. Não tenhas medo, não fujas nem fales no teu Deus. O teu marido pode acompanhar-te, mas deve estar oculto.
    Então irá uma cobra ter contigo, assobiando e fazendo barulho; dar-te-á uma volta à cintura e um beijo na testa; depois, logo ali, a sua pele cairá despedaçada em bocados. Não tenhas medo que essa cobra sou eu, e ficarei logo desencantada e livre, e livre ficará toda a minha riqueza e toda será tua.
    Assim ficou combinado, e ao bater no relógio as doze horas da noite de S. João lá estava a mulher no local designado, e o marido oculto, ali, noutro lugar, próximo. Pouco depois ouvem-se assobios medonhos, um barulho estranho e a cobra aparece ao longe assobiando de instante a instante. Mas a mulher, apesar de resoluta, começou a apavorar-se, e quando a cobra ia chegando próximo dela, foge transida de medo, gritando:
    — Ai Jesus, quem me acode! Ai Jesus, quem me acode!...
    Ao mesmo tempo a moura, que se julgava quase livre, rompe em doloridos e longos suspiros, exclamando:
    — Ai que me dobraste o meu encanto, mulher! Ai que estou perdida para séculos!
    E nas trevas da noite foram-se perdendo aqueles dolorosos e enternecidos ais da moura encantada, enquanto a mulher e o marido fugiam aterrados para casa.

Source
PARAFITA, Alexandre A Mitologia dos Mouros: Lendas, Mitos, Serpentes, Tesouros , Gailivro, 2006 , p.286-287
Year
1908
Place of collection
Bemposta, MOGADOURO, BRAGANÇA
Collector
José Manuel Pereira (M)
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography