APL 3396 Pombeiro de Riba Visela (Lenda das Nove Irmans)

Havia annos que Caio e Calcia estavam casados, sem terem filhos, o que muito os desgostava; até que finalmente, Calcia apparece no seu estado interessante, e as suas penas se dissiparam,
    D’este parto porém, nasceram nove filhas, estando seu marido ausente.
    Teve Calcia muito pejo e vexame d’este parto extraordinario, e decidiu mandar assassinar as meninas, sem que seu marido soubesse do parto.
    Servira-lhe de parteira, uma donzella christan (chamada Sila, ou Cyta) a quem muito amava, e á qual encarregou de afogar as meninas em um dos pégos do rio Déste; mas a virtuosa donzella, longe de cumprir a monstruosa ordem, fez baptisar as meninas, e crear, em segredo, na religião christan; impondo-lhes no baptismo os nomes de Genébra, Victoria, Eufemia, Marinha (ou Martinha), Marciana, Germana, Basilia (ou Basilissa), Quiteria, e Liberata (ou Wilgeforte), e distribuindo-as por nove amas christans, dos arrabaldes de Braga.
    Passado o primeiro anno, Cyta, as levou para uma casa, tambem dos arrabaldes de Braga, onde as educou, como a mais extremosa das mães.
    Assim que chegaram ao uso de rasão, se consagraram ao serviço da Santissima Virgem, vivendo n’aquella casa, como em um mosteiro.
    Como eram todas formosissimas, tiveram muitos pedidos de casamento, para jovens ricos e nobres, que ellas sempre regeitaram.
    Levantara-se por esse tempo uma atroz perseguição contra os christãos, e L. Caio Attilio, cumprindo as ordens imperiaes, foi um flagello d’elles.
    Sabida a vida christan das nove irmans, foram estas presas, e levadas á presença de seu pae, que estava então na cidade gallega, de Tuy, fronteira á nossa praça de Vallença.
    Este homem, apezar da sua crueldade, ficou commovido á vista de tanta juventude, formosura e modestia, e não lhes fallou com a aspera insolencia, com que interrogava os outros christãos.
    Quando lhes perguntou quem eram seus paes, e onde haviam nascido, Genébra lhe respondeu – «Somos filhas vossas, e de vossa mulher, e nascemos na cidade de Braga» – e lhe contaram todas as circumstancias do seu nascimento.
    Pasmado ficou Caio, e, levando as nove irmans á presença de sua mulher, esta confessou tudo, reconhecendo-as por suas filhas; o que encheu de prazer o pae, que as abraçou com transporte.
    Ficaram no palacio, e seus paes, tentaram, por todos os meios, servindo-se de palavras ternas, e brilhantes promessas, e depois, de ameaças dos mais atrozes suplicios, para as fazer abjurar o christianismo; mas, nem com caricias nem pelo terror, as poderam perverter.
    Decediram então dar-lhes tempo para reflectirem, na esperança de, com a edade mudarem de opinião,
    Ellas porém, receando faltar-lhe o animo, em vista das lagrimas da mãe, e dos rogos do pae, se combinaram em fugir, tomando todas caminhos diversos, para se poderem mais facilmente subtrahir ás pesquizas de seus perseguidores.
    As oito irmans, não foram encontradas; mas sim Quiteria, com alguns christãos que a acompanhavam.
    Chegados á presença de Caio, este os tratou com brandura, conservando a filha no seu palacio, e despedindo os mais em liberdade.
    Viveu a santa menina algum tempo em casa de seu pae, que lhe tolerava a pratica do christianismo; e até que fosse orar, livre do bulicio do paço, para o monte Oria (?) que ficava proximo a Braga.
    Germano, rico e nobre mancebo, namorado de Quiteria, a pediu a seu pae, em casamento, ao que Caio annuiu da melhor vontade; instando com a filha, para que este casamento se realizasse.
    Vendo Quiteria, que o unico meio de evitar este casamento, era fugir de Braga, assim o fez, hindo ter ao Valle de Aufrazia, onde se sujeitou a viver de fructos e raizes silvestres.
    D’alli passou ao monte de Pombeiro, que é proximo, sendo senhor d’este territorio, Lenciano (ou Lencivam), que sendo christão havia apostatado.
    A santa virgem, vivia escondida, junto de uma capella de S. Pedro, que já então alli existia na companhia de algumas donzellas christans
    Caio, perdidas todas as esperanças da apostasia de sua filha, a mandou processar e matar onde fosse encontrada.
    Os sicarios a acharam e ás suas companheiras, em um sitio chamado Margaliza (que se suppõe ser a actual de Margaride) e as degolaram.
    Diz a lenda, que a santa, depois de degolada, pegou na sua cabeça, e andou, até ao logar da sua sepultura.
    Segundo o Anno Historico, teve logar este martyrio, no dia 22 de maio, do anno 130.

Source
PINHO LEAL, Augusto Soares d'Azevedo Barbosa de Portugal Antigo e Moderno , Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão, 2006 [1873] , p.Tomo VII, pp. 158-159
Place of collection
Pombeiro De Ribavizela, FELGUEIRAS, PORTO
Narrative
When
2 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography