APL 281 Portela da cruz dos Fieis de Deus

A Nascente da vila de Mação, passado o ribeiro do Paiafome, existe uma portela que dá vistas para o Vale do Maxial e Costas da Ribeira d’Eiras e que se denomina Portela da Cruz dos Fieis de Deus. Este nome teve origem, na lenda religiosa que se segue:
 Contam velhas tradições que no tempo em que ainda não havia sacrario, as almas das criancinhas inocentes —anjinhos—, antes de darem entrada no Céu, vagueiavam algum tempo pela terra, em procissões de penitencia e de desagravo dos pecados da humanidade.
 Estas procissões eram feitas a horas mortas da noite quando toda a gente dormia, não assistindo a elas pessoa alguma deste mundo.
 Em uma noite, porem, uma mulher que morava junto da Egreja e que se levantara para amassar o pão para sua familia entre doze e uma hora da noite — hora que o povo tem como fatidica é por ele muito respeitada — foi, por acaso, á janela de sua casa e ficou surpreendida com o que viu e deslumbrada com o que ouviu:
uma enorme multidão de anjinhos — crianças vestidas de branco — saindo da Egreja em procissão, seguia pela rua acima até á praça da vila entoando maviosissimos canticos de louvor a Deus.
 A mulher encantada com a suavidade dos canticos, deixou-se ir, insensivelmente, atraz da procissão, a respeitosa distancia, até que, passado algum tempo e depois de ter caminhado bastante, reparou que se achava já junto do ribeiro do Paiafome, tendo a multidão que constituia a procissão já passado para o outro lado do ribeiro, a excepção de algumas crianças que se haviam atrasado na marcha caminhando mais vagarosamente. Aproximando-se destas a mulher atreveu-se a perguntar-lhes porque não acompanhavam os demais que já seguiam pela encosta; ao que eles responderam:
 — «Não podemos caminhar tão depressa como aqueles nossos companheiros em virtude de as nossas mães, quando no amortalharam, se terem esquecido de atar os nastros dos nossos mantéus que levamos para a cova, porisso estes nos embaraçam a marcha ».
 A mulher ao ouvir esta resposta ficou aterrada, reconhecendo então que se tratava de almas do outro mundo, por isso, em grande aflição gritou: «Valha-me Nossa Senhora da Conceição!!».
 Neste momento apareceu ali a Virgem Maria que lhe disse:
 Nada temas. Volta para tua casa e louva a Deus. A procissão que vês, ao chegar alem á Portela, desfaz-se e vae juntar-se de novo noutra freguesia a rogar a Deus pelos homens. Não e licito a nenhum ser vivente assistir a elas; mas a ti concedeu-te Deus a mercê de assistires a esta, para ires dizer ao mundo que faça penitencia para redenção das almas».
 No mesmo instante a Virgem e os anjinhos da procissão tudo desapareceu da vista da mulher, que, transida de mêdo, voltou para casa.
 No dia seguinte relatou a toda a gente tudo quanto presenceara na noite anterior, e por isso o povo de Mação foi ao sitio onde a procissão desaparecera, colocando ali uma cruz, e pondo ao sitio o nome de Portela da Cruz dos Fieis de Deus, nome que ainda hoje conserva.
 Sempre ali existiu uma cruz que, quando pelo rolar dos anos se inutilisava, era substituida por outra e por mãos invisíveis, segundo resa a tradição.
 Consta, porem, que, haverá quinze ou vinte anos, nunca mais ali foi vista a cruz.

Source
SERRANO, Francisco Elementos Históricos e Etnográficos de Mação , Câmara Municipal de Mação, 1998 [s/d] , p.161-163
Place of collection
MAÇÃO, SANTARÉM
Narrative
When
20 Century, 30s
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography