APL 1832 A lenda dos três pães (ou a Lenda da Moura de Silves)

O Emir, que se encontrava no castelo de Silves, tinha três filhas e quando ele se apercebe que os cristãos estão quase a aproximar-se de Silves, ele, como tinha as três meninas, resolveu, com receio de não as poder defender, agarrar nelas, levá-las para junto de um poço onde se encontrava uma grande alfarrobeira e disse ás filhas:
 - Minhas filhas, não sei qual será a sorte que vos está reservada. Eu concerteza para salvar a cidade, não poderei defender-vos, como é o meu dever de pai e, com receio de que alguma coisa vos aconteça, eu vou-vos encantar. Mas posso, realmente, garantir-vos que, assim que eu puder, eu vos virei desencantar.
 Fez lá as suas orações, as suas rezas e as rainhas desapareceram dentro desse poço.
 Deu-se a conquista de Silves, o Emir consegue escapar, levou com ele alguns reféns e, um belo dia, quando ele já se encontrava em Tânger, sempre a receber informações se seria ou não possível ele voltar a Silves, (mas não, porque os exércitos cristãos tinham mesmo tomado a cidade e não havia possibilidade de ele voltar) ele vai visitar os prisioneiros que ele tinha levado, que eram cristãos e há um que chorava muito, Aproximou-se dele e perguntou-lhe porque é que ele chorava e ele disse que chorava com saudade da mulher e das filhas e ele disse:
 - Tem graça que eu também deixei lá as minhas filhas.
 E ele disse:
 - Deixaste lá as tuas filhas. Onde, senhor?
 E é aqui que o Emir faz-lhe uma proposta.
 - Eu deixar-te-ei ir ver a tua mulher e as tuas filhas se tu me fizeres um grande favor: me desencantares as minhas filhas. Mas, cuidado, se tu não cumprires à risca o que eu te peço, tu pelo contrário, vais ter muitos dissabores na vida.
 Claro, entre a possibilidade de o desgraçado ter a sua liberdade, o bom do cristão disse logo:
 - Senhor, dizei-me já o que é que eu tenho de fazer.
 E, realmente, o árabe disse:
 - Olha, tens aqui três pães. As minhas três filhas, uma delas chama-se Zaira, que é a mais velha; a do meio chama-se Salomé e a mais novinha chama-se Ariana. Tu levas estes três pães, guarda-os muito bem atados, não dás a saber a ninguém e numa noite de lua cheia agarras neles, vais ao poço, tiras um pão, atiras para dentro do poço e gritas: -“Zaira”. Não te assustes. Hás-de ver levantar-se um grande pássaro e deixa o pássaro voar. É a minha filha que vem ter comigo. Depois, agarras no outro pão, atiras ao poço e grita: -“Salomé” e se se vir sair outro de pássaro, deixa-o voar, não digas nada. Por último, atiras o outro pão e gritas: - “Ariana”. Há-de sair outro pássaro e vai embora. A partir dai, volta ara tua casa. Toda a tua vida vai-te sorrir. Vais ser muito rico, sempre que fizeres algum negócio, guarda o dinheiro, passado algum tempo, esse dinheiro triplicou. Tu vais ver que, dentro em breve, tu és um homem rico, um homem poderoso e nunca contes a ninguém.
 Ora o homem, coitado, os olhos até se riam.
 - Então diga o que é que eu hei-de fazer?
 - Olha, pegas nestes três pães, metes dentro desta saca e agora, não tenhas medo. Ficas aqui. Quando a noite descer, tu hás-de ver aparecer aqui um pássaro. O pássaro é pequeno. Não te assustes, monta-te em cima dele. Hás-de achar que o pássaro não pode contigo. Não te importes. Põe a saca aos ombros, monta-te em cima dele, agarra-te ao pescoço do pássaro e depois, tu vais adormecer e quando acordares, tu estás na tua terra.
 O homem, coitado, assim ainda com um bocado de medo, e a coisa aconteceu. O homem ficou, esperou e, quando realmente a noite já tinha caído bem cerradinha, ele viu um grande pássaro a voar e poisou ao pé dele. Ele fez como o árabe lhe disse. Põe a saca com os pães às costas, monta-se em cima, mas o pássaro era relativamente pequeno para ele se montar. Mas, pronto, agarrou-se. Quando ele pôs as mãos no pescoço do pássaro, nunca mais se lembra de mais nada. Sentiu um grande sono e quando acordou, estava o sol a nascer. Olha à volta. Era a terra dos cristãos, as alfarrobeiras. Por conseguinte, encontrava-se em Silves. Vai a correr para casa e qual foi a alegria dos seus filhos e mulher quando o viram. Ele só dizia à mulher:
 - Não perguntes nada.
 - Ó homem, como é que tu conseguiste? Ó homem, já te julgava morto.
Pronto, uma grande alegria, sim senhor. 
 - Então e tu fugiste e não trazes nada. Como é que conseguiste?
 - Não trago nada. Não me perguntes nada. Estou aqui, não estou? São e salvo.
Pronto!
 Entretanto subiu a uma arrecadação e foi guardar dentro de uma arca de madeira a tal dita saquinha, com os três pães. Esperou que viesse a lua cheia.
 Entretanto, a mulher começou a ficar encucada.
 - O que é que ele trouxe atado dentro de uma saca e foi pôr dentro da arca na arrecadação?
 E a uma dada altura, a mulher já não conseguiu controlar a curiosidade e abriu mesmo a saca. Abriu a saca e viu três pães.
 - Oh, diabo! Para que é que aquele homem quer aqui os três pães? Será que os pães têm alguma coisa dentro?
 Agarrou numa faca e furou um pão. Ao furar um pão, tirou a faca e espreitou no corte que fez no pão e aquilo era pão. Era igual, tal e qual.
 - Não percebo. Pronto.
 Atou outra vez a saca, meteu e não disse nada. Chegou a noite de lua cheia. Coitado do homem. Agarra nos três pães, na saca com os três pães e lá vai ele. Lá viu o poço, lá estava a alfarrobeira, tal como o mouro lhe tinha indicado e quando lá chegou, ele fez tudo certinho. Agarrou num pão e jogou-o ao poço e gritou:
 - Zaira.
 E diz que ouviu um bater de asas muito grande dentro do poço, sai um pássaro e viu-o a voar. Esperou um bocadinho, atirou o outro pão e gritou:
 - Salomé.
 Outra vez outro grande pássaro que sai. Por último, agarra no pão e atira-o e diz:
 - Ariana.
 Quando ele diz “Ariana”, não ouve nada e grita, outra vez:
 - Ariana.
 E ouve um choro muito grande, muito grande, muito grande, e o que é que ele vê, em cima do gargalo do poço? Uma menina sem uma perna. E a menina diz-lhe: 
 - A tua mulher cortou-me uma perna. Eu nunca poderei ser desencantada. Vou ficar aqui para sempre.
 E, ainda mesmo a menina a chorar, desaparece. Ele olha para dentro do poço e já não viu a menina. O homem vem, realmente para casa, com o saco vazio, não disse nada a ninguém.
 A verdade é uma, tudo o que o homem comprava, tudo se desfazia. Comprava os animais, os animais morriam. As doenças levavam-lhe os filhos e então, conta a lenda, que o homem quando se viu já sem família e sem nada, ia chorar para junto do poço, pois foi o castigo pela curiosidade da mulher que, realmente, o árabe lhe tinha dado.
 Dizia-se, durante muitos e muitos séculos que, quem de noite passasse junto desse poço, ouvia sempre uma menina chorar.

Source
AA. VV., - Arquivo do CEAO (Recolhas Inéditas) , n/a,
Year
2003
Place of collection
FARO, FARO
Collector
Paula Almeida (F)
Informant
Maria Filomena Ferreira (F), 58 y.o., FARO (FARO),
Narrative
When
20 Century,
Belief
Unsure / Uncommitted
Classifications

Bibliography