APL 346 O monte da burra
Era uma vez um Monte (qual fosse então o seu nome, não restou qualquer memória).
Era uma vez, nesse monte, uma fábrica,
Era uma vez, nessa fábrica, operários marceneiros, que, com as suas mãos hábeis, trabalhavam a madeira, dando corpo a uma tradição secular.
Era uma vez crianças, muitas crianças...
Era uma vez um lavrador.
Era uma vez a burra do lavrador.
Um dia...
As crianças, descuidadas, e ainda não sensibilizadas para os riscos que o fogo comporta, resolveram deitar fogo a uns papéis velhos, junto das instalações da marcenaria (não havia ainda os papelões, a lembrar a necessidade de reciclagem dos desperdícios).
E... ou porque, sentindo frio, quisessem aquecer-se, ou porque se entusiasmassem a presenciar a dança das chamas, foram acrescentando mais e mais papel. Quando se aperceberam do perigo, era já demasiado tarde: a fogueira erguia-se em grossas labaredas, avançando devastadoras sobre a fábrica.
Impotentes para vencer as chamas que, incontroláveis, iam arrasando todos os seus sonhos, os operários resolveram abandonar as instalações, pondo a salvo as suas vidas.
Da marcenaria, apenas restavam cinzas.
Nas cinzas da marcenaria, o futuro dos operários e suas famílias.
O lavrador passava por ali, de regresso a casa, conduzindo pela arreata a burra.
Pressentindo o fogo, a burra ergueu ao ar o seu nariz sensível, aspirou intensamente o cheiro a queimado e fixou os olhos na enorme fogueira.
Em vão tentou o lavrador obrigar a burra a seguir o seu caminho: fazendo jus ao aforismo, quanto mais o dono a puxava para longe do fogo, tanto mais ela, teimosamente, num acto suicida, fincava as patas no solo, como que a dizer:
Daqui não saio, daqui ninguém me tira!
Cônscio de que não poderia pela força vencer as razões (fossem elas quais fossem) do animal, o lavrador resolveu pôr-se a salvo, abandonando-a à sorte que escolhera (vá lá alguém adivinhar porquê).
Diz-se que, quando no dia seguinte os operários voltaram ao local para verificar o que sobrara dos seus postos de trabalho, encontraram, junto às cinzas da fábrica, o corpo carbonizado da burra e que ali se deixara morrer, ficando até ao fim a observar o espectáculo único das chamas bruxuleantes.
Da fábrica, dos operários, do lavrador, dos meninos que atearam o fogo, ninguém mais falou...
Mas o Povo, que tem sempre razão, por razões que desconhecemos, decidiu, em memória da burra-poeta, mudar o nome desse local elevado (nome que ninguém mais recorda qual seria...) para MONTE DA BURRA.
É aí, nessa pequena elevação de RIO TINTO, que está instalada a Escola Preparatória de Rio Tinto, que por essa razão é a ESCOLA DO MONTE DA BURRA.
- Source
- S/A, . Lendas de Gondomar , Câmara Municipal de Gondomar, 1995 , p.23-24
- Place of collection
- Rio Tinto, GONDOMAR, PORTO
- Informant
- Maria de Fátima Pereira da Silva (F), 50 y.o.,