APL 1315 A Lagoa do Negro
Há alguns séculos atrás, na ilha Terceira, havia uma família nobre que tinha, como era hábito na altura, os seus criados negros.
A morgada fizera um casamento imposto pelo pai e os interesses da família, onde não havia amor, mas em que a mulher, por educação e honestidade, se submetia ao marido. Porém ninguém manda nos sentimentos, nem mesmo a mulher mais digna.
Os criados negros de então não eram vistos como seres humanos, com sentimentos. Ninguém sequer imaginava que tivessem atrevimento de se apaixonar pela sua senhora. Contrariando todas estas leis, criadas pelos interesses dos homens, o escravo negro e a morgada enamoraram-se, denunciando apenas no olhar tímido, mas expressivo, o sentimento que os unia.
A vida monótona da morgada era então iluminada pela alegria do amor que nunca tinha sentido. Em certas tardes, quando do jardim do seu solar olhava o mar e o horizonte, cantava uma suave balada de amor. Outras vezes, a amargura arrochava-lhe o coração porque sabia que estava presa até à morte a um homem que não amava. Então, quando se sentava a bordar, lágrimas abundantes desciam-lhe pelas faces.
O escravo negro via tudo isto sem que nada pudesse fazer. Convenceu-se de que a sua presença naquela casa só causava mais sofrimento à morgada que tão bem queria.
Numa noite, depois de ter pensado muito, fugiu e caminhou por montes e difíceis veredas. A certa altura parou e decidiu ficar ali, longe dos homens, chorando a sua desdita. Chorou tanto que as suas lágrimas ao caírem no chão se juntaram e fizeram um belo lago.
Esta lagoa ainda lá está a embelezar a ilha Terceira e, para que nunca seja esquecido o sofrimento do negro e o seu amor pela morgada, chamou-se-lhe Lagoa do Negro.
- Source
- FURTADO-BRUM, Ângela Açores: Lendas e outras histórias , Ribeiro & Caravana editores, 1999 , p.145
- Place of collection
- Angra (Sé), ANGRA DO HEROÍSMO, ILHA TERCEIRA (AÇORES)