APL 915 O capitão de vidoedo
Segundo a lenda, os Sarracenos apoderaram-se do castelo do Pontido, alcandorado nos contrafortes da Serra do Alvão, dentro dos limites do Concelho de Vila Pouca de Aguiar.
Valendo-se da força das armas, viviam essencialmente da pilhagem que faziam nos campos das redondezas, roubando os produtos da lavoura e as crias dos rebanhos dos pastores.
Os habitantes das aldeias vizinhas, vítimas dos seus latrocínios, não ousavam opor-se-lhes, reconhecendo-se incapazes de lhes fazer frente.
Entre essas vítimas, contava-se um pastor de Vidoedo, povoação próxima do castelo, que via o seu rebanho de cabras constantemente dizimado pelos invasores.
Farto de tantas depredações, resolveu pôr termo àquela intolerável situação. Corajoso e espertalhão, concebeu um plano astucioso que decidiu pôr em prática, sem dizer nada a ninguém.
Arranjou grande quantidade de chocalhos e de lampiões, tantos quantas as cabras que possuía, e um tambor, com as respectivas maçanetas. Depois, prendeu em cada cabra um chocalho no pescoço e um lampião na cabeça.
Quando anoiteceu, acendeu todos os lampiões, abriu as portas do curral e marchou com o seu improvisado exército contra o inimigo sarraceno, ao mesmo tempo que ia malhando estrondosamente com as maçanetas no tambor que levava aos ombros.
O rufar do tambor e o badalar dos chocalhos, ecoando nas quebradas da serra, e quebrando o silêncio da noite, acordaram as sentinelas do castelo, que, alvoroçadas por aquele insólito ruído e pela visão aterradora de tantas luzes em movimento, deram o sinal de alerta máximo para dentro da fortaleza.
Ao sinal de alarme das sentinelas, os soldados despertaram, estremunhados, e, armados até aos dentes, saíram, para enfrentar as tropas invasoras.
Mas, ao verem tantas luzes espalhadas pelo monte e, ao ouvirem aquele barulho verdadeiramente infernal, julgando-se incapazes de resistir a tão numeroso exército, começaram a fugir desordenadamente, pela encosta abaixo, levando com eles apenas o que tinham à mão.
E, assim, quando o ladino pastor chegou ao castelo com o seu inofensivo exército caprino, já lá não encontrou ninguém e pôde fazer a sua entrada triunfal na fortaleza e passar ali a noite, com a certeza de nunca mais ser espoliado.
De madrugada, regressou a Vidoedo e deu a grande novidade aos vizinhos, que o aclamaram como um grande herói.
Para comemorarem aquela vitória, prepararam uma calorosa manifestação que meteu foguetes e a música do Pontido.
A sua fama espalhou-se rapidamente por todas as terras de Aguiar e chegou mesmo até à corte.
Quando el-rei soube daquele feito tão memorável, mandou ir à sua presença o Viriato aguiarense e, depois de o ouvir narrar o modo como venceu e expulsou os odiados sarracenos e recuperou o castelo, o felicitou vivamente e lhe mandou dar um saco cheio de libras.
E, como se isso não bastasse, agraciou-o com o título de Visconde, segundo uns, o de capitão, segundo outros, com direito a pôr brasão na sua casa.
Então, o humilde pastor, agora rico e nobre, regressou à sua terra, onde foi recebido triunfalmente pelos vizinhos e amigos.
Daí em diante, à medida que o seu feito e a sua distinção se tornavam conhecidos, iam chegando diariamente pessoas de toda a parte, para o felicitarem pela sua coragem e valentia.
E o novo rico, nunca perdendo a modéstia que o caracterizava, a todos franqueava a sua casa e a mesa, onde nunca faltavam as deliciosas castanhas assadas.
E foi assim que um ignorado pastor nascido numa aldeia desconhecida se tornou famoso e passou à história com o título honorífico de Visconde, mas mais conhecido como capitão de Vidoedo.
Ainda está de pé a casa onde ele nasceu e morreu, na qual se pode ver uma pedra de armas, com dois leões, a simbolizar a sua coragem indómita e a sua gesta gloriosa.
- Source
- FERREIRA, Joaquim Alves Lendas e Contos Infantis , Edição do Autor, 1999 , p.70-72
- Place of collection
- VILA POUCA DE AGUIAR, VILA REAL